Uma curta biografia
Nascida em Barcelona no dia 10 de julho de 1941, Montserrat Grases
fazia parte de uma família numerosa, caracterizada por um clima de
entranhado carinho mútuo, intensamente cristão: o pai e a mãe pertenciam
ao Opus Dei e, seguindo os ensinamentos de São Josemaria Escrivá,
souberam fazer da sua família um autêntico lar luminoso e alegre.
Montse era também filha de São Josemaria, pois pedira a admissão no
Opus Dei, entregando a sua vida inteira a Deus, no dia 24 de dezembro,
véspera do Natal de 1957. Pouco depois, uma leve e persistente dor na
perna esquerda deu o primeiro sinal do que viria a diagnosticar-se como
um câncer incurável, na época, sarcoma de Ewing, que – após meses de
intensas dores – veio a causar a morte daquela menina de 17 anos, no dia
26 de março de 1959, Quinta-feira Santa.
Resumida assim, em pouquíssimas linhas, essa biografia tão curta, tão cedo truncada, parece muito triste. Parece, mas não é.
Diga-se, já de começo, que Montse, a segunda de uma família de nove
irmãos, foi sempre uma moça direita e pura, bonita, simpática,
esportiva, divertida, religiosa sem beatice e absolutamente normal. E
como faz parte da normalidade ter, ao lado de belas virtudes, alguns
defeitos, Montse também os tinha – não nasceu com a auréola de santa –, e
é muito importante ter isso presente ao ler o que vem a seguir.
Montse, que era prestativa e sacrificada, de coração sensível,
generoso e bom, era também voluntariosa e geniosa. Ai de quem a
contradissesse ou pretendesse fazer-lhe uma desfeita! Sem grosserias nem
violências – que não eram do seu feitio –, reagia desde muito menina
como pessoa que não leva desaforo para o seu cantinho nem tem um braço
fácil de torcer. Por outras palavras, em uma porção de coisas, era
“insofrida”, ou seja, era impaciente. Sabendo disso, as pinceladas que
se dão a seguir ganham um sentido maior.
Um processo acelerado
Quando se lêem os depoimentos e testemunhos dos que estiveram mais
perto dela desde o início das dores (dezembro de 1957) até a morte
(março de 1959), observa-se um denominador comum. Todos eles salientam
que, naqueles quinze meses, houve, não uma mudança instantânea – lampejo
de um dia –, mas um processo assombroso, contínuo, crescente, de
amadurecimento no amor e nas virtudes, que transformou profundamente
Montserrat. Um crescimento interior tão espantoso, que todos os que a
conheceram encararam como algo natural que se iniciasse o seu Processo
de Beatificação e Canonização em dezembro de 1962.
Ao longo de toda a evolução da doença, Montse esforçou-se por levar,
até o limite das suas forças, uma vida normal. Queria ser fiel ao que a
sua vocação para o Opus Dei lhe pedia: a santificação pessoal e o
apostolado no meio do mundo, dentro da normalidade da vida diária, no
cumprimento amoroso e acabado dos deveres cotidianos.
Viver assim – com alegre simplicidade, sem chamar a atenção –
representava um esforço que conseguiu praticar rezando muito e lutando
muito por corresponder à graça de Deus.
Até os últimos dias, quando, já imóvel na cama, mal podia falar, fez
um esforço heroicamente fiel para cumprir os propósitos espirituais a
que se tinha comprometido livremente com Deus: duas meias horas de
oração mental diária, terço, leitura do Evangelho e de algum livro
espiritual (só ouvindo ler, já no final), exame de consciência noturno,
que jamais desleixou, etc. Morreu acompanhando o segundo mistério do
terço do dia, que a sua mãe e um grupo de amigas rezavam ao pé da sua
cama.
O segredo de uma imensa paz
Dessa vida de oração, dessa luta denodada por procurar uma união cada
dia maior com Deus, vinham-lhe as forças para abraçar a Vontade divina –
a doença, a dor e a morte – e para, não digo aceitar, mas amar de todo o
coração a Cruz que Cristo lhe oferecia, para estar junto dEle no
sofrimento salvador. Daí a alegria. Que bem entendeu, vivendo-as, as
palavras mil vezes repetidas por São Josemaría Escrivá: A alegria do
cristão tem as suas raízes em forma de Cruz! Com palavras do Fundador,
que meditava sobretudo no livro Caminho, Montse repetia: “Jesus, o que
tu quiseres, eu o amo!”( Caminho, n. 691)
Daí vinham a serenidade, a paz profunda e o constante sorriso que
deixavam desnorteadas as pessoas. Uma grande amiga de Montse, Rosa
Pantaleoni, lembra que, entre 2 de julho e 13 de agosto de 1958,
acompanhou-a em várias das trinta sessões de radioterapia a que foi
submetida. “Quando íamos a essas sessões, todas as enfermeiras
perguntavam-lhe o que tinha; mas ela mudava logo de conversa e acabava
perguntando pelas coisas delas. Fez-se muito amiga de uma enfermeira:
soube que aquela moça gostava de desenhar, e ficaram falando dos
desenhos e dos problemas da outra… Às vezes, quando terminávamos, a
enfermeira dizia-me: – «Como é simpática, alegre e carinhosa esta
menina! Mas nunca fico sabendo se a perna lhe dói ou não. Você sabe?» E
eu lhe respondia: – «Eu também não sei»”.
Doía, porém, e doía muito. A própria Rosa contará que, “no momento de
lhe fazerem os curativos, sofria uma barbaridade. Pelos outros. Ela
sempre sofria pelos outros”. Tudo oferecia pela felicidade dos outros, a
felicidade que – ela bem o sabia – só se encontra junto de Deus.
Nesse contexto, pode-se avaliar o caráter significativo do seguinte
detalhe. Em dezembro de 1958, conseguiu ser levada de carro, a duras
penas, ao Centro do Opus Dei que freqüentava em Barcelona, um Centro
cultural chamado Llar. Eram os primeiros dias desse mês, e as estudantes
praticavam o delicado costume cristão da Novena à Imaculada Conceição.
“Montse – lembra ainda Rosa – queria ir à Novena para rezar a Nossa
Senhora. Terminada a Novena, ficava em Llar falando com as estudantes
que tinham comparecido e fazendo apostolado, ainda que teria estado
muito mais confortável em sua casa, na cama [...]. Mas achava que não
tinha o direito de pensar em si mesma quando havia tantas pessoas a quem
podia aproximar de Deus”. Num desses dias da Novena, em que o oratório
estava repleto, com umas sessenta moças, “lembro-me – é sempre Rosa quem
conta – de que Montse estava sentada, com a perna apoiada em cima do
assento de uma cadeira, porque já não a podia flexionar e nessa posição
se sentia melhor. Como sempre, procurava não chamar a atenção. Naquele
momento, entrou uma estudante que, na penumbra, não percebeu que Montse
tinha a perna apoiada na cadeira e lhe perguntou: – «Está livre?» Ela
sorriu e respondeu: – «Sim, sim, por favor, sente-se»…, e foi retirando a
perna sem que a outra percebesse, cedendo-lhe o lugar”.
A moça voluntariosa e um tanto caprichosa, agora sorria à
contrariedade e a amava, como conseqüência do seu amor a Deus; e ainda,
no meio de tantos gestos de singelo heroísmo, desculpava-se às vezes: –
“Que pouco sofrida eu sou, não é verdade? Olhe que vergonha”…
Uma luta enamorada no meio da dor
Amadureceu amando muito, e por isso aprendeu a arte de sofrer com
alegria, que é uma arte essencialmente cristã e que se designa pela
palavra paciência.
Montse agonizou numa dura “forja de dor” – como diria Mons. Escrivá –
e morreu consumida pela doença. Mas agonizou alegre e morreu feliz. Na
véspera da morte, abrindo os olhos, viu as suas amigas perto dela: – “Eu
lhes quero muito a todas – disse-lhes –, mas a Jesus muito mais!”.
Passou as últimas horas daquela Quinta-feira Santa apertando
estreitamente o seu crucifixo, dizendo com voz quase inaudível a Nossa
Senhora: “Mãezinha, quanto te amo! Quando virás buscar-me?”, e invocando
uma e outra vez o nome de Jesus.
Anos depois da sua morte, Enrique, o irmão mais velho, que é
sacerdote da diocese de Barcelona, comentava: “A sua Cruz foi muito
dolorosa. Às vezes comentam-me, quando a recordam tão alegre e tão
feliz, que ela sentia até gosto no meio da dor… Não, isso não é verdade.
Falar assim poderia soar a masoquismo, porque aquilo não era uma dor
convertida em gosto; era uma dor convertida em amor, e em luta para
poder continuar a ser fiel a si mesma, a nós e a Deus, mas continuava a
ser uma dor que a dilacerava, que a desfazia. Sofreu – eu o vi –
tremendamente: mas era uma luta enamorada, no meio da dor, para
encontrar Cristo Crucificado. Em meio a essa dor, junto de Cristo, nunca
esteve só. Se Deus está ao meu lado – pensou – e me pede isto, será
porque é possível; e se Ele o quer, Ele me ajudará… Montse, graças à
dor, deu-nos o melhor de si mesma”. (Cf. J. M. Cejas, Montse Grases. La
alegría de la entrega, Rialp, Madrid, 1993.).
Depois destes comentários, não precisamos mais perguntar o que é a
paciência cristã, nem o que é o amor que sabe sofrer. Nada há a
acrescentar. Agora é só meditar e pedir a Deus olhos de amor para vermos
o sofrimento como as almas santas o viram, como a Montse o viu.
[adaptado do livro de F. Faus, A paciência, Quadrante 1995]