Mensagem do Papa para 29º Jornada Mundial da Juventude
MENSAGEM
Mensagem do Papa Francisco para a 29ª Jornada Mundial da Juventude (13 de abril de 2014)
Quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014
Boletim da Santa Sé
Confira a seguir a mensagem do Papa Francisco para a 29ª Jornada
Mundial da Juventude, que será realizada em 13 de abril de 2014, Domingo
de Ramos, em nível diocesano.
“Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu” (Mt 5, 3)
Queridos jovens,
Permanece gravado na minha memória o
encontro extraordinário que vivemos no Rio de Janeiro, na XXVIII Jornada
Mundial da Juventude: uma grande festa da fé e da fraternidade. A boa
gente brasileira acolheu-nos de braços escancarados, como a estátua de
Cristo Redentor que domina, do alto do Corcovado, o magnífico cenário da
praia de Copacabana. Nas margens do mar, Jesus fez ouvir de novo a sua
chamada para que cada um de nós se torne seu discípulo missionário, O
descubra como o tesouro mais precioso da própria vida e partilhe esta
riqueza com os outros, próximos e distantes, até às extremas periferias
geográficas e existenciais do nosso tempo.
A próxima etapa da peregrinação
intercontinental dos jovens será em Cracóvia, em 2016. Para cadenciar o
nosso caminho, gostaria nos próximos três anos de reflectir, juntamente
convosco, sobre as Bem-aventuranças que lemos no Evangelho de São Mateus
(5, 1-12). Começaremos este ano meditando sobre a primeira: «Felizes os
pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu» (Mt 5, 3); para
2015, proponho: «Felizes os puros de coração, porque verão a Deus» (Mt
5, 8); e finalmente, em 2016, o tema será: «Felizes os misericordiosos,
porque alcançarão misericórdia» (Mt 5, 7).
1. A força revolucionária das Bem-aventuranças
É-nos sempre muito útil ler e meditar as
Bem-aventuranças! Jesus proclamou-as no seu primeiro grande sermão,
feito na margem do lago da Galileia. Havia uma multidão imensa e Ele,
para ensinar os seus discípulos, subiu a um monte; por isso é chamado o
«sermão da montanha». Na Bíblia, o monte é visto como lugar onde Deus Se
revela; pregando sobre o monte, Jesus apresenta-Se como mestre divino,
como novo Moisés. E que prega Ele? Jesus prega o caminho da vida; aquele
caminho que Ele mesmo percorre, ou melhor, que é Ele mesmo, e propõe-no
como caminho da verdadeira felicidade. Em toda a sua vida, desde o
nascimento na gruta de Belém até à morte na cruz e à ressurreição, Jesus
encarnou as Bem-aventuranças. Todas as promessas do Reino de Deus se
cumpriram n’Ele.
Ao proclamar as Bem-aventuranças, Jesus
convida-nos a segui-Lo, a percorrer com Ele o caminho do amor, o único
que conduz à vida eterna. Não é uma estrada fácil, mas o Senhor
assegura-nos a sua graça e nunca nos deixa sozinhos. Na nossa vida, há
pobreza, aflições, humilhações, luta pela justiça, esforço da conversão
quotidiana, combates para viver a vocação à santidade, perseguições e
muitos outros desafios. Mas, se abrirmos a porta a Jesus, se deixarmos
que Ele esteja dentro da nossa história, se partilharmos com Ele as
alegrias e os sofrimentos, experimentaremos uma paz e uma alegria que só
Deus, amor infinito, pode dar.
As Bem-aventuranças de Jesus são
portadoras duma novidade revolucionária, dum modelo de felicidade oposto
àquele que habitualmente é transmitido pelos mass media, pelo
pensamento dominante. Para a mentalidade do mundo, é um escândalo que
Deus tenha vindo para Se fazer um de nós, que tenha morrido numa cruz.
Na lógica deste mundo, aqueles que Jesus proclama felizes são
considerados «perdedores», fracos. Ao invés, exalta-se o sucesso a todo o
custo, o bem-estar, a arrogância do poder, a afirmação própria em
detrimento dos outros.
Queridos jovens, Jesus interpela-nos
para que respondamos à sua proposta de vida, para que decidamos qual
estrada queremos seguir a fim de chegar à verdadeira alegria. Trata-se
dum grande desafio de fé. Jesus não teve medo de perguntar aos seus
discípulos se verdadeiramente queriam segui-Lo ou preferiam ir por
outros caminhos (cf. Jo 6, 67). E Simão, denominado Pedro, teve a
coragem de responder: «A quem iremos nós, Senhor? Tu tens palavras de
vida eterna» (Jo 6, 68). Se souberdes, vós também, dizer «sim» a Jesus, a
vossa vida jovem encher-se-á de significado, e assim será fecunda.
2. A coragem da felicidade
O termo grego usado no Evangelho é
makarioi, «bem-aventurados». E «bem-aventurados» quer dizer felizes. Mas
dizei-me: vós aspirais deveras à felicidade? Num tempo em que se é
atraído por tantas aparências de felicidade, corre-se o risco de
contentar-se com pouco, com uma ideia «pequena» da vida. Vós, pelo
contrário, aspirai a coisas grandes! Ampliai os vossos corações! Como
dizia o Beato Pierjorge Frassati, «viver sem uma fé, sem um património a
defender, sem sustentar numa luta contínua a verdade, não é viver, mas
ir vivendo. Não devemos jamais ir vivendo, mas viver» (Carta a I.
Bonini, 27 de Fevereiro de 1925). Em 20 de Maio de 1990, no dia da sua
beatificação, João Paulo II chamou-lhe «homem das Bem-aventuranças»
(Homilia na Santa Missa: AAS 82 [1990], 1518).
Se verdadeiramente fizerdes emergir as
aspirações mais profundas do vosso coração, dar-vos-eis conta de que, em
vós, há um desejo inextinguível de felicidade, e isto permitir-vos-á
desmascarar e rejeitar as numerosas ofertas «a baixo preço» que
encontrais ao vosso redor. Quando procuramos o sucesso, o prazer, a
riqueza de modo egoísta e idolatrando-os, podemos experimentar também
momentos de inebriamento, uma falsa sensação de satisfação; mas, no fim
de contas, tornamo-nos escravos, nunca estamos satisfeitos, sentimo-nos
impelidos a buscar sempre mais. É muito triste ver uma juventude
«saciada», mas fraca.
Escrevendo aos jovens, São João dizia:
«Vós sois fortes, a palavra de Deus permanece em vós e vós vencestes o
Maligno» (1 Jo 2, 14). Os jovens que escolhem Cristo são fortes,
nutrem-se da sua Palavra e não se «empanturram» com outras coisas. Tende
a coragem de ir contra a corrente. Tende a coragem da verdadeira
felicidade! Dizei não à cultura do provisório, da superficialidade e do
descartável, que não vos considera capazes de assumir responsabilidades e
enfrentar os grandes desafios da vida.
3. Felizes os pobres em espírito…
A primeira Bem-aventurança, tema da
próxima Jornada Mundial da Juventude, declara felizes os pobres em
espírito, porque deles é o Reino do Céu. Num tempo em que muitas pessoas
penam por causa da crise económica, pode parecer inoportuno acostar
pobreza e felicidade. Em que sentido podemos conceber a pobreza como uma
bênção?
Em primeiro lugar, procuremos
compreender o que significa «pobres em espírito». Quando o Filho de Deus
Se fez homem, escolheu um caminho de pobreza, de despojamento. Como diz
São Paulo, na Carta aos Filipenses: «Tende entre vós os mesmos
sentimentos que estão em Cristo Jesus: Ele, que é de condição divina,
não considerou como uma usurpação ser igual a Deus; no entanto,
esvaziou-Se a Si mesmo, tomando a condição de servo e tornando-Se
semelhante aos homens» (2, 5-7). Jesus é Deus que Se despoja da sua
glória. Vemos aqui a escolha da pobreza feita por Deus: sendo rico,
fez-Se pobre para nos enriquecer com a sua pobreza (cf. 2 Cor 8, 9). É o
mistério que contemplamos no presépio, vendo o Filho de Deus numa
manjedoura; e mais tarde na cruz, onde o despojamento chega ao seu
ápice.
O adjectivo grego ptochós (pobre) não
tem um significado apenas material, mas quer dizer «mendigo». Há que o
ligar com o conceito hebraico de anawim (os «pobres de Iahweh»), que
evoca humildade, consciência dos próprios limites, da própria condição
existencial de pobreza. Os anawim confiam no Senhor, sabem que dependem
d’Ele.
Como justamente soube ver Santa Teresa
do Menino Jesus, Cristo na sua Encarnação apresenta-Se como um mendigo,
um necessitado em busca de amor. O Catecismo da Igreja Católica fala do
homem como dum «mendigo de Deus» (n. 2559) e diz-nos que a oração é o
encontro da sede de Deus com a nossa (n. 2560).
São Francisco de Assis compreendeu muito
bem o segredo da Bem-aventurança dos pobres em espírito. De facto,
quando Jesus lhe falou na pessoa do leproso e no Crucifixo, ele
reconheceu a grandeza de Deus e a própria condição de humildade. Na sua
oração, o Poverello passava horas e horas a perguntar ao Senhor: «Quem
és Tu? Quem sou eu?» Despojou-se duma vida abastada e leviana, para
desposar a «Senhora Pobreza», a fim de imitar Jesus e seguir o Evangelho
à letra. Francisco viveu a imitação de Cristo pobre e o amor pelos
pobres de modo indivisível, como as duas faces duma mesma moeda.
Posto isto, poder-me-íeis perguntar:
Mas, em concreto, como é possível fazer com que esta pobreza em espírito
se transforme em estilo de vida, incida concretamente na nossa
existência? Respondo-vos em três pontos.
Antes de mais nada, procurai ser livres
em relação às coisas. O Senhor chama-nos a um estilo de vida evangélico
caracterizado pela sobriedade, chama-nos a não ceder à cultura do
consumo. Trata-se de buscar a essencialidade, aprender a despojarmo-nos
de tantas coisas supérfluas e inúteis que nos sufocam. Desprendamo-nos
da ambição de possuir, do dinheiro idolatrado e depois esbanjado. No
primeiro lugar, coloquemos Jesus. Ele pode libertar-nos das idolatrias
que nos tornam escravos. Confiai em Deus, queridos jovens! Ele
conhece-nos, ama-nos e nunca se esquece de nós. Como provê aos lírios do
campo (cf. Mt 6, 28), também não deixará que nos falte nada! Mesmo para
superar a crise económica, é preciso estar prontos a mudar o estilo de
vida, a evitar tantos desperdícios. Como é necessária a coragem da
felicidade, também é precisa a coragem da sobriedade.
Em segundo lugar, para viver esta
Bem-aventurança todos necessitamos de conversão em relação aos pobres.
Devemos cuidar deles, ser sensíveis às suas carências espirituais e
materiais. A vós, jovens, confio de modo particular a tarefa de colocar a
solidariedade no centro da cultura humana. Perante antigas e novas
formas de pobreza – o desemprego, a emigração, muitas dependências dos
mais variados tipos –, temos o dever de permanecer vigilantes e
conscientes, vencendo a tentação da indiferença. Pensemos também
naqueles que não se sentem amados, não olham com esperança o futuro,
renunciam a comprometer-se na vida porque se sentem desanimados,
desiludidos, temerosos. Devemos aprender a estar com os pobres. Não nos
limitemos a pronunciar belas palavras sobre os pobres! Mas
encontremo-los, fixemo-los olhos nos olhos, ouçamo-los. Para nós, os
pobres são uma oportunidade concreta de encontrar o próprio Cristo, de
tocar a sua carne sofredora.
Mas – e chegamos ao terceiro ponto – os
pobres não são pessoas a quem podemos apenas dar qualquer coisa. Eles
têm tanto para nos oferecer, para nos ensinar. Muito temos nós a
aprender da sabedoria dos pobres! Pensai que um Santo do século XVIII,
Bento José Labre – dormia pelas ruas de Roma e vivia das esmolas da
gente –, tornara-se conselheiro espiritual de muitas pessoas, incluindo
nobres e prelados. De certo modo, os pobres são uma espécie de mestres
para nós. Ensinam-nos que uma pessoa não vale por aquilo que possui,
pelo montante que tem na conta bancária. Um pobre, uma pessoa sem bens
materiais, conserva sempre a sua dignidade. Os pobres podem ensinar-nos
muito também sobre a humildade e a confiança em Deus. Na parábola do
fariseu e do publicano (cf. Lc 18, 9-14), Jesus propõe este último como
modelo, porque é humilde e se reconhece pecador. E a própria viúva, que
lança duas moedinhas no tesouro do templo, é exemplo da generosidade de
quem, mesmo tendo pouco ou nada, dá tudo (Lc 21, 1-4).
4. … porque deles é o Reino do Céu
Tema central no Evangelho de Jesus é o
Reino de Deus. Jesus é o Reino de Deus em pessoa, é o Emanuel, Deus
connosco. E é no coração do homem que se estabelece e cresce o Reino, o
domínio de Deus. O Reino é, simultaneamente, dom e promessa. Já nos foi
dado em Jesus, mas deve ainda realizar-se em plenitude. Por isso rezamos
ao Pai cada dia: «Venha a nós o vosso Reino».
Há uma ligação profunda entre pobreza e
evangelização, entre o tema da última Jornada Mundial da Juventude –
«Ide e fazei discípulos entre todas as nações» (Mt 28, 19) – e o tema
deste ano: «Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do
Céu» (Mt 5, 3). O Senhor quer uma Igreja pobre, que evangelize os
pobres. Jesus, quando enviou os Doze em missão, disse-lhes: «Não
possuais ouro, nem prata, nem cobre, em vossos cintos; nem alforge para o
caminho, nem duas túnicas, nem sandálias, nem cajado; pois o
trabalhador merece o seu sustento» (Mt 10, 9-10). A pobreza evangélica é
condição fundamental para que o Reino de Deus se estenda. As alegrias
mais belas e espontâneas que vi ao longo da minha vida eram de pessoas
pobres que tinham pouco a que se agarrar. A evangelização, no nosso
tempo, só será possível por contágio de alegria.
Como vimos, a Bem-aventurança dos pobres
em espírito orienta a nossa relação com Deus, com os bens materiais e
com os pobres. À vista do exemplo e das palavras de Jesus, damo-nos
conta da grande necessidade que temos de conversão, de fazer com que a
lógica do ser mais prevaleça sobre a lógica do ter mais. Os Santos são
quem mais nos pode ajudar a compreender o significado profundo das
Bem-aventuranças. Neste sentido, a canonização de João Paulo II, no
segundo domingo de Páscoa, é um acontecimento que enche o nosso coração
de alegria. Ele será o grande patrono das Jornadas Mundiais da
Juventude, de que foi o iniciador e impulsionador. E, na comunhão dos
Santos, continuará a ser, para todos vós, um pai e um amigo.
No próximo mês de Abril, tem lugar
também o trigésimo aniversário da entrega aos jovens da Cruz do Jubileu
da Redenção. Foi precisamente a partir daquele acto simbólico de João
Paulo II que principiou a grande peregrinação juvenil que, desde então,
continua a atravessar os cinco continentes. Muitos recordam as palavras
com que, no domingo de Páscoa do ano 1984, o Papa acompanhou o seu
gesto: «Caríssimos jovens, no termo do Ano Santo, confio-vos o próprio
sinal deste Ano Jubilar: a Cruz de Cristo! Levai-a ao mundo como sinal
do amor do Senhor Jesus pela humanidade, e anunciai a todos que só em
Cristo morto e ressuscitado há salvação e redenção».
Queridos jovens, o Magnificat, o cântico
de Maria, pobre em espírito, é também o canto de quem vive as
Bem-aventuranças. A alegria do Evangelho brota dum coração pobre, que
sabe exultar e maravilhar-se com as obras de Deus, como o coração da
Virgem, que todas as gerações chamam «bem-aventurada» (cf. Lc 1, 48).
Que Ela, a mãe dos pobres e a estrela da nova evangelização, nos ajude a
viver o Evangelho, a encarnar as Bem-aventuranças na nossa vida, a ter a
coragem da felicidade.
Vaticano, 21 de Janeiro – Memória de Santa Inês, virgem e mártir – de 2014.
Fonte: Canção Nova