segunda-feira, 22 de outubro de 2012

A fé cristã, operante na caridade e forte na esperança, não limita, mas humaniza a vida.


O Papa Bento XVI começou na última quarta-feira, 17, o ciclo de catequeses sobre a fé cristã, tendo em vista o Ano Fé, iniciado no último dia 11. O Santo Padre enfatizou que ter fé não é algo restrito à inteligência, ao campo intelectual, as envolve toda a vida: sentimentos, emoções, razões humanas.

 O Ano da Fé. Introdução.
Queridos irmãos e irmãs,
Hoje vou apresentar o novo ciclo de catequese, que se desenvolve durante todo o Ano de Fé  inaugurado recentemente  e que interrompe - por este período - o ciclo dedicado à escola de oração. Com a Carta Apostólica Porta Fidei convoquei este Ano especial,  para que a Igreja renove o entusiasmo de crerem Jesus Cristo, o único salvador do mundo, reaviva a alegria de andar no caminho que nos indicou, e testemunhe de maneira concreta a força transformadora da fé.
A ocorrência dos cinqüenta anos da abertura do Concílio Vaticano II é uma importante ocasião para retornar a Deus, para aprofundar e viver com maior coragem a própria fé, para fortalecer a pertença à Igreja, "mestra de humanidade", que, através do anúncio da Palavra, a celebração dos Sacramentos e obras de caridade nos leva a encontrar e conhecer a Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Este não é o encontro com uma idéia ou um projeto de vida, mas com uma Pessoa viva que transforma profundamente a nós mesmos, revelando a nossa verdadeira identidade de filhos de Deus. O encontro com Cristo renova nossas relações humanas, orientando-as, dia a dia, a uma maior solidariedade e fraternidade, na lógica do amor. Ter fé no Senhor não é algo que interessa apenas à nossa inteligência, a área do saber intelectual, mas é uma mudança que envolve a vida, todo o nosso ser: sentimento, coração, inteligência,  vontade, corporeidade, emoções, relacionamentos. Com a fé realmente tudo muda em nós e para nós, e revela com clareza o nosso destino futuro, a verdade da nossa vocação na história, o sentido da vida, o gosto de ser um peregrino em direção à Pátria celestial.
Mas – perguntamo-nos - a fé é realmente o poder transformador em nossas vidas, em minha vida? Ou é apenas um dos elementos que fazem parte da existência, sem ser aquele determinante que a envolve totalmente?
Com as catequeses deste Ano da Fé gostaríamos de percorrer um caminho para fortalecer ou reencontrar a alegria da fé, compreendendo que essa não é algo estranho, destacado da vida cotidiana, mas é a alma. A fé em um Deus que é amor, e que se fez próximo ao homem encarnando-se e entregando-se na cruz para nos salvar e reabrir as portas do Céu, de modo luminoso que somente no amor está a plenitude do homem. Hoje é necessário repetir isso claramente, enquanto as transformações culturais em curso muitas vezes mostram diversas formas de barbárie, que passam sob símbolo de "conquistas de civilização": a fé afirma que não há verdadeira humanidade senão nos lugares, gestos, tempos e formas em que o homem é motivado pelo amor que vem de Deus, exprimi-se como dom, se manifesta nas relações plenas de amor, compaixão, atenção e serviço desinteressado para com o outro. Onde há dominação, posse, exploração, mercantilização do outro por egoísmo próprio, onde há arrogância do eu fechado em si mesmo, o homem é empobrecido, degradado, desfigurado. A fé cristã, operante na caridade e forte na esperança, não limita, mas humaniza a vida, de fato torna-a plenamente humana.
A fé é acolher esta mensagem transformadora em nossa vida, é acolher a revelação de Deus, que nos faz conhecer quem Ele é, como age, quais são seus planos para nós. É claro, o mistério de Deus está sempre além dos nossos conceitos e da nossa razão, dos nossos ritos e orações. No entanto, com a revelação o próprio Deus se autocomunica, se diz, torna-se acessível. E nós somos capazes de escutar a Sua Palavra e de receber a sua verdade. Eis então, a maravilha da fé: Deus, no seu amor, cria em nós - através da obra do Espírito Santo - as condições adequadas para que possamos reconhecer a sua Palavra. Deus mesmo, na sua vontade de se manifestar, de entrar em contato conosco, de estar presente em nossa história, nos permite ouvi-lo e acolhê-lo. São Paulo exprime isso com alegria e gratidão: "Por isso é que também nós não cessamos de dar graças a Deus, porque recebestes a palavra de Deus, que de nós ouvistes, e a acolhestes, não como palavra de homens, mas como aquilo que realmente é, como palavra de Deus, que age eficazmente em vós, os fiéis" (1 Tessalonicenses 2,13).
Deus revelou-se em palavras e obras ao longo de uma história de amizade com o homem, que culmina na Encarnação do Filho de Deus e no seu mistério de morte e ressurreição. Deus não apenas se revelou na história de um povo, não só falou através dos Profetas, mas atravessou seu Céu para entrar na terra dos homens como homem, para que pudéssemos encontrá-lo e ouvi-lo. E de Jerusalém o anúncio do Evangelho da salvação se difundiu até os confins da terra. A Igreja, nascida do lado aberto de Cristo, tornou-se portadora de uma nova sólida esperança: Jesus de Nazaré, crucificado e ressuscitado, salvador do mundo, que está sentado à direita do Pai e é o juiz dos vivos e dos mortos. Este é o Kerigma, o anúncio central e disruptivo da fé. Mas desde o início, surgiu o problema da "regra de fé", ou seja, a fidelidade dos crentes à verdade do Evangelho, na qual continuam fortes, à verdade salvadora sobre Deus e sobre o homem a ser preservada e transmitida. São Paulo escreve: "Sereis salvos, se o conservardes [o evangelho] como vo-lo anunciei. Caso contrário, vós teríeis acreditado em vão” (1 Cor 15,2)
Mas onde encontramos a fórmula essencial da fé? Onde encontramos a verdade que nos foi transmitida fielmente e que é luz para a nossa vida cotidiana? A resposta é simples: no Credo, na Profissão de Fé o Símbolo da fé, nós nos reportamos ao evento originário da Pessoa e da História de Jesus de Nazaré; torna-se concreto aquilo que o Apóstolo dos gentios dizia aos cristãos de Corinto: “Vos transmiti, antes de tudo, aquilo que eu também recebi: que Cristo morreu por nossos pecados segundo as Escrituras, foi sepultado e ressurgiu ao terceiro dia” (1 Cor 15,3).
Também hoje precisamos que o Credo seja conhecido melhor, compreendido e rezado. Sobretudo é importante que o Credo seja, por assim dizer, “reconhecido”. Conhecer, de fato, poderia ser uma operação apenas intelectual, enquanto “reconhecer” quer dizer a necessidade de descobrir a ligação profunda entre a verdade que professamos no Credo e a nossa existência cotidiana, para que estas verdades sejam verdadeiramente e concretamente – como sempre foi – luz para os passos do nosso viver, água que irriga o calor do nosso caminho, vida que vence certos desertos da vida contemporânea.  No Credo se engaja a vida moral do cristão, que nesse encontra o seu fundamento e a sua justificativa. 
Não é por acaso que o Beato João Paulo II quis que o Catecismo da Igreja Católica, norma segura para o ensinamento da fé e fonte certa para uma catequese renovada, fosse estabelecido no Credo. Tratou-se de confirmar e guardar este núcleo central da verdade da fé, tornando-o uma linguagem mais compreensível aos homens do nosso tempo, a nós. É um dever da Igreja transmitir a fé, comunicar o Evangelho, a fim de que a verdade cristã seja luz nas novas transformações culturais, e os cristãos sejam capazes de dar razões da esperança que portam (cfr 1 Pt3,14). Hoje vivemos em uma sociedade profundamente alterada mesmo em relação a um passado recente, e em contínuo movimento. Os processos da secularização e de uma difundida mentalidade niilista, em que tudo é relativo, marcaram fortemente a mentalidade comum. Assim, a vida é vivida muitas vezes com leveza, sem ideais claros e esperanças sólidas, dentro das ligações sociais e familiares líquidas, provisóriasSobretudo as novas gerações não são educadas para a busca da verdade e do sentido profundo da existência que supera o contingente, para a estabilidade dos afetos, para a confiança. Ao contrário, o relativismo leva a não ter pontos fixos, suspeita e volatilidade causam rupturas nas relações humanas, enquanto a vida é vivida dentro de experiências que duram pouco, sem assumir responsabilidades. Se o individualismo e o relativismo parecem dominar a alma de muitos contemporâneos, não se pode dizer que os que crêem estão totalmente imunes a este perigo, com o qual somos confrontados na transmissão da fé. A pesquisa promovida em todos os continentes para a celebração do Sínodo dos Bispos sobre a Nova Evangelização, evidenciou alguns: uma fé vivida de modo passivo e privado, a recusa da educação na fé, o rompimento entre a vida e a fé
O cristão muitas vezes não conhece nem sequer o núcleo central da própria fé católica, do Credo, de modo a deixar espaço a um certo sincretismo e relativismo religioso, sem clareza sobre a verdade de crer e da singularidade salvífica do cristianismo. Não está tão longe hoje o risco de construir, por assim dizer, uma religião “faça você mesmo”. Devemos, em vez disso, voltar para Deus, ao Deus de Jesus Cristo, devemos redescobrir a mensagem do Evangelho, fazê-lo entrar de modo mais profundo nas nossas consciências e na vida cotidiana. 
Nas catequeses deste Ano da Fé gostaria de oferecer uma ajuda para percorrer este caminho, para retomar e aprofundar a verdade central da fé em Deus, no homem, na Igreja, em toda a realidade social e cósmica, meditando e refletindo sobre as afirmações do Credo. E gostaria que ficasse claro que este conteúdo ou verdade da fé (fides quae) se conecta diretamente às nossas vidas; pede uma conversão da existência, que dá vida a um novo modo de crer em Deus (fides qua). Conhecer Deus, encontrá-Lo, aprofundar o conhecimento de sua face põe em jogo a nossa vida, porque Ele entra nos dinamismos profundos do ser humano.
Possa o caminho que iremos percorrer neste ano fazer-nos crescer todos na fé e no amor a Cristo, para que aprendamos a viver, nas escolhas e nas ações cotidianas, a vida boa e bela do Evangelho. Obrigado. 

Fonte: (ZENIT.org)

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