O inferno do ponto de vista de um condenado
“Meu nome é Fulano de Tal. Estou no inferno, ou melhor, sou no
inferno, porque se trata de uma condição permanente. Que horror! Não
adianta rezar por mim. Na situação perene em que me encontro, não há
mais esperança. A propósito, vi uma placa na porta do inferno, com os
seguintes dizeres escabrosos, escritos em italiano: “Lasciate ogne
speranza, voi ch’ intrate!”: “Deixai toda esperança, vós que entrais!” (Divina Comédia, canto III, 9).
Os
que padecemos neste estado não podemos nos comunicar com os
que padecem no purgatório ou com os que ainda vivem (Lc 16,26). Mandei
esta carta, sub-repticiamente, por um foguete.
Ouço choro e ranger de dentes o “tempo”* todo (Mt 8,12). Mas, o que
mais me atormenta é a saudade de Deus, por este motivo, também choro e
ranjo meus dentes. Vêm-me à mente as palavras de santo Agostinho:
“Fizeste-nos para ti, Senhor, e nosso coração estará inquieto, enquanto
não encontrar em ti descanso.” (Confissões, livro I, cap. 1). O inferno é a angústia da ausência de Deus.
Nem sequer posso me arrepender, pois, no momento de minha morte,
minha vontade petrificou-se no mal, no pecado. Os anjos que nos
atenazam, conhecidos como demônios, são milhões, bilhões, talvez.
Há um fogo inexaurível que nos queima a todos os réprobos
ininterruptamente. Não é um fogo simbólico ou imaterial; é um fogo
mesmo, que incinera, porém, não aniquila o corpo.
Percebo que o estado de inferno não começou com meu óbito. Ainda
quando estava vivo, o inferno se instalou no meu dia a dia, muito mais
do que o céu ou o purgatório. Tolamente, acreditava que só se pecava por
ação: matando alguém, roubando, ferindo etc. Dizia a mim mesmo e aos
meus contemporâneos: não faço mal a ninguém. Que engano ledo, mas
catastrófico! Mea culpa! Se sou torturado neste estado horripilante, isto se deve igualmente ao bem que eu não fiz.
Jesus estava na prisão; não o visitei. Ele estava doente; não fui ao
hospital para confortá-lo. Deparou-se-me completamente nu na minha
frente; entretanto, não o vesti. Esteve com fome, com sede; contudo, eu
não o alimentei. Era um imigrante; não o acolhi (Mt 25, 31-46). Não
imaginava que minha omissão fosse já o inferno na terra, malgrado eu
vivesse bastante infeliz, cerrado no meu egoísmo.
A Igreja sempre me ensinou o caminho do céu. Desafortunadamente, fiz
ouvidos moucos ao magistério dos papas e dos bispos. Que pena! E é
propriamente uma pena o que sofro neste estado sem fim.”
Por: Edson Sampel
Edson Luiz Sampel é Doutor em Direito Canônico pela
Pontifícia Universidade Lateranense, do Vaticano. Membro da União dos
Juristas Católicas de São Paulo (Ujucasp).
Fonte: Zenit.org
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