“O amor, para ser verdadeiro, tem de doer. Não basta dar o supérfluo a quem necessita, é preciso dar até que isso nos machuque.”
Agnes Gonxha Bojaxhiu nome de batismo da
que ficou mundialmente conhecida por Madre Tereza de Calcutá, nasceu na
Albânia (então Macedónia) e tornou-se cidadã indiana, em 1948. Prémio
Nobel da Paz em 1979. Oriunda de uma família católica, aos doze anos já
estava determinada a ser missionária. Começou por fazer votos na
congregação das Irmãs de Nossa Senhora do Loreto, aos 18 anos, na
Irlanda, onde viveu. A sua vida na Índia começou como professora. Só ao
fim de dez anos sentiu necessidade de criar a congregação das Irmãs da
Caridade e dedicar a sua longa vida aos pobres abandonados e mais
desprotegidos de Calcutá. Entre as suas prioridades estava matar a fome e
ensinar a ler aos “mais pobres entre os pobres”, bem como a leprosos,
portadores de AIDS e mulheres abandonadas. Depois do Prêmio Nobel, em
1979, passou a ser muito conhecida e as Irmãs da Caridade estão em
centenas de países do Mundo.
Madre Teresa, em dezembro de 1996, concedeu uma entrevista à
revista “Sem Fronteiras”, a qual talvez tenha sido a sua última ou uma
das últimas. Confira a entrevista na íntegra:Sem Fronteiras – Quantas são atualmente as Missionárias da Caridade?
Madre Teresa – Temos 3.604 Irmãs professas e 411 noviças, em seis noviciados: Calcutá, Filipinas, Tanzânia, Polônia, Roma e Estados Unidos. As postulantes são 260. No total, somos 4.275 Missionárias da Caridade, distribuídas em 119 países. As nossas Irmãs pertencem a 79 nacionalidades. Contamos com 560 tabernáculos, ou casas.
Por que “tabernáculos”?
- Porque Jesus está presente nessas casas. São casas de Jesus.
A nossa congregação quer contribuir para que as pessoas sejam saciadas da sua sede de Jesus. Fazemos isso, tentando resgatar e santificar os mais pobres dos pobres. Como as outras congregações, fazemos os votos de castidade, pobreza e obediência. Recebemos a autorização especial de fazer um quarto voto: o de nos colocarmos a serviço dos mais pobres dos pobres.
Como a senhora vê o tema do celibato?
- O celibato não é para quem se sente chamado ao matrimônio. O sacramento do matrimônio é maravilhoso. Desde o momento em que um homem e uma mulher se amam verdadeiramente e rezam juntos, Deus transmite a eles o seu amor.
A vida familiar merece muita atenção, é um dom de Deus. Não obstante, nós religiosas renunciamos a esse dom. Consagramos a nossa vida a Deus na castidade e no amor, sem divisão. Nada nem ninguém nos poderá separar desse amor, como diz São Paulo.
A senhora costuma dizer que não há amor sem sofrimento…
- Sim, o verdadeiro amor faz sofrer. Cada vida, e cada vida familiar, deve ser vivida honestamente. Isso supõe muitos sacrifícios e muito amor. Porém, ao mesmo tempo, esses sofrimentos vêm sempre acompanhados de muita paz.
Quando a paz reina em um lar, ali se encontram também a alegria, a unidade e o amor. Como se pode levar uma vida familiar normal sem paz e sem unidade?
Nesse sentido, a oração de São Francisco é muito atual. Não vivemos nas mesmas circunstâncias, mas o que Francisco pedia responde perfeitamente às necessidades da nossa época. Em Calcutá, rezamos essa oração todos os dias, depois da comunhão. Penso em todos os homens e mulheres que necessitam de amor: “Senhor, fazei-nos dignos de ser instrumentos da verdadeira paz, que é a vossa paz”.
A sua congregação abriu casas para pessoas com Aids em várias partes do mundo…
- Sim, entre outros lugares, nos Estados Unidos, na Itália, no Zaire e, evidentemente, na Índia. Até pouco tempo atrás, não era raro que pessoas se suicidassem quando ficavam sabendo que tinham o vírus da Aids. Hoje, nenhum enfermo acolhido em nossas casas morre no desespero e na amargura. Todos, inclusive os não-católicos, morrem na paz do Senhor. Isso não é maravilhoso?
As regras da sua congregação falam do trabalho em favor dos “mais pobres dos pobres, tanto no plano espiritual quanto no plano material”. O que a senhora entende por “pobreza espiritual”? Alguns dizem que se ocupa apenas com gente que vive na rua…
- Os pobres espirituais são os que ainda não descobriram Jesus Cristo, ou que estão separados dele por causa do pecado. Os que vivem na rua também precisam ser ajudados nesse sentido.
Por outro lado, fico muito contente de ver que, em nosso trabalho, podemos contar também com a ajuda de gente acomodada, a quem oferecemos a oportunidade de fazer algo de bom para Deus. É desse modo que conseguimos abrir um centro onde acolhemos e assistimos a jovens que saem da prisão.
Essa gente nos oferece material e dinheiro. Nesses dias chegou uma carta dos Estados Unidos. Pela letra dava para ver que era de uma criança. Ela me dizia: “Madre Teresa, eu gosto muito de você”. O envelope continha um cheque de 3 dólares. Para essa criança, tratava-se de um grande sacrifício.
Vocês também recebem ajuda de gente de outras religiões?
- Sim, de muçulmanos, hinduístas, budistas e outros. Alguns meses atrás, um grupo de budistas japoneses veio conversar comigo sobre espiritualidade. Eu disse a eles que jejuamos todas as primeiras sextas-feiras do mês e que o dinheiro economizado vai para os pobres. Quanto regressaram ao seu país, os monges pediram às famílias e comunidades budistas que fizessem o mesmo. O dinheiro que recolheram nos permitiu construir o primeiro andar do nosso centro “Shanti Dan” (“Dom de Paz”) para as “jailgirls” (meninas da prisão).
Cento e dez dessas meninas já saíram da prisão. São jovens, quase sempre adolescentes. Muitas delas são deficientes psíquicas. Saem das favelas e, de repente, se vêem metidas na prostituição. A maior parte, assim que renuncia a esse tipo de vida, é denunciada à polícia pelos proxenetas. Acaba na prisão, onde vive em condições desumanas.
Madre Teresa, alguns a criticam, dizendo que só tem um objetivo: converter os não-cristãos…
- Ninguém pode forçar ou impor a conversão, que só acontece por graça de Deus. A melhor conversão é a que consiste em ajudar as pessoas a se amarem umas às outras. Nós, que somos pecadores, formos criados para ser filhos de Deus, e temos que nos ajudar a chegarmos o mais perto possível dele. Todos somos chamados a amá-lo.
A senhora diz que as suas Irmãs não são assistentes sociais. Por quê?
- Somos contemplativas no coração do mundo, porque “rezamos” o nosso trabalho. Realizamos um trabalho social, certamente, mas somos mulheres consagradas a Deus no mundo de hoje. Entregamos a nossa vida a Jesus, com uma renúncia total e a serviço dos pobres, tal como Jesus nos deu a sua vida na eucaristia. O trabalho que fazemos é importante, mas não é tanto a pessoa que o faz que é importante. Fazemos esse trabalho por Jesus Cristo, porque o amamos. É tão simples.
Não temos condições de fazer tudo. Eu sempre rezo muito por todos aqueles que se preocupam com as necessidades e misérias dos povos.
Muitas personalidades e gente rica se associaram à nossa ação. Pessoalmente, não possuímos nada. Não ganhamos dinheiro. Vivemos da caridade e para a caridade.
E da Providência…
- Isso mesmo. Normalmente, sempre temos que enfrentar necessidades imprevistas. Em nossa casa “Sishu Bevan”, temos mais de duzentos bebês que necessitam de um tipo especial de leite. Um dia, as minhas Irmãs vieram me procurar para dizer: “Madre, tem que fazer alguma coisa, porque não vemos nenhuma saída”. No mesmo dia, um hindu rico veio me ver e me disse: “Madre Teresa, esta manhã, uma voz me disse que eu tinha que fazer alguma coisa pelos pobres”, e me deu o que necessitávamos. Deus é infinitamente bom. Ele sempre se preocupa conosco.
Por que tantas jovens entram para a sua congregação?
- Eu creio que elas apreciam, sobretudo, a nossa vida de oração. Rezamos quatro horas por dia. Elas também conhecem e vêem o que fazemos pelos pobres. Não se trata de trabalhos importantes e impressionantes. O que fazemos é muito discreto, mas nós o fazemos pelos mais pequenos.
A senhora é uma pessoa muito popular. Nunca se cansa de tanta gente, fotografias…?
- Considero isso um sacrifício, e também uma bênção para a sociedade. Eu e Deus fizemos um contrato: para cada foto que tiram de mim, Ele liberta uma alma do Purgatório… (risos)… Eu creio que, nesse ritmo, em breve, o Purgatório estará vazio…
Viajar pelo mundo cercada de tanta publicidade é cansativo e duro. Porém, eu utilizo tudo o que se me apresenta para a glória de Deus e o serviço aos mais pobres. É preciso que alguém pague esse preço.
Que mensagem gostaria ainda de nos deixar?
- Amem-se uns aos outros, como Jesus ama a cada um de vocês. Não tenho nada que acrescentar à mensagem que Jesus nos transmitiu. Para poder amar, é preciso ter um coração puro e é preciso rezar. O fruto da oração é o aprofundamento da fé. O fruto da fé é o amor. E o fruto do amor é o serviço ao próximo. Isso nos conduz à paz. – “UMBRALES”
Revista Sem Fronteiras Nº 247 – Dezembro 96 – pág. 05
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