Entrevista
ao "Jornal de Londrina"
Paulo
Ricardo de Azevedo Júnior é um padre que não se furta a criticar outros
sacerdotes
Paulo Ricardo de Azevedo Júnior é um padre no sentido pleno da palavra. E não
apenas por usar batina. Eis um padre que segue o catecismo, o missal e a
Doutrina Católica. Um padre que defende a Igreja e o papa. Um padre estudioso e
com grande domínio da palavra. Um padre que conhece profundamente as questões
canônicas. Um padre que fala de vida espiritual. Um padre que não ignora este
mundo, mas sem jamais esquecer o outro.
Um padre que não se furta a criticar outros sacerdotes, sobretudo o chamado
“clero progressista”, ligado à teologia da libertação. Um padre à maneira
antiga – tão antiga quanto os 2 mil anos da Igreja Católica.
Com todas essas qualidades, o padre Paulo Ricardo está
fazendo um grande sucesso com seu trabalho de evangelização na internet.
Através do site padrepauloricardo.org,
ele diz o que pensa para um público cada vez mais amplo – e constituído em
grande parte por jovens.
Nascido em
novembro de 1967, o padre Paulo Ricardo foi ordenado em 1992, pelo papa João
Paulo II. É bacharel em Teologia e mestre em Direito Canônico pela Pontifícia
Universidade Gregoriana (Roma). Membro do Conselho Internacional de Catequese,
nomeado pela Santa Sé, pertence à Arquidiocese de Cuiabá (Mato Grosso). É autor
de diversos livros e apresenta o programa semanal “Oitavo Dia”, pela Rede
Canção Nova de Televisão.
Durante uma
visita do padre Paulo Ricardo por Londrina e região, em setembro, o JL realizou
a seguinte entrevista. Entre os assuntos abordados, o papel dos cristãos na
sociedade contemporânea e uma relação especial com a cidade de Londrina.
JL: Em 2005, o sr. passou por uma experiência pessoal
muito importante em Londrina. O que aconteceu? E de que forma essa experiência
o marcou?
Padre Paulo
Ricardo: Há
seis anos, eu estava vindo de São Paulo e o avião fazia escala em Londrina,
indo para Cuiabá. Aconteceu que o avião atrasou, tivemos que ir para o hotel.
Depois voltamos para pegar o avião outra vez. Uns cinco minutos depois da
decolagem, houve um estouro na turbina direita. Trinta segundos depois, um novo
estouro. Ninguém sabia o que estava acontecendo. O pessoal ficou apavorado. O
avião continua estável, o que se via claramente. Fiquei pensando: vou observar.
Se eu notar que vai ocorrer o pior, dou a absolvição coletiva.
Enquanto eu não
sabia o que estava acontecendo, fiz meu ato de contrição, pedi a Deus perdão do
meu pecado – e esperei. Enquanto esperava, pensei que havia sido prudente
inutilmente. Agora eu estaria me apresentando diante de Deus, Deus iria pedir
conta do meu ministério, e eu fui prudente a vida inteira, porque queria ser
bispo, queria fazer carreira, não queria me queimar. Dali para frente aquilo
marcou. Dali para frente eu vi que era um homem morto. Deus me disse assim: “O
que eu havia previsto para você eram somente estes anos de sacerdócio, agora
você vai morrer, acabou, e você não deu conta do recado. Você escondeu seus
talentos”.
Dali para
frente resolvi me considerar um homem morto. Porque Deus estava me dando uma segunda
chance. Eu não poderia mais me colocar numa situação de prudência, pensando no
futuro. O bom soldado, quando vai para a guerra, não tem que se preocupar em
voltar para casa. Ele tem que se preocupar em sobreviver o maior tempo possível
para fazer o maior estrago para o inimigo. O soldado sabe que um dia vai levar
um tiro e um dia vai sair de ação.
Esse foi meu
exame de consciência: o sacerdócio é um dom, e um dom não é algo para ser
guardado. Dali em diante, eu vi que a minha batina não é um enfeite, ela é uma
mortalha. O sacerdote é um homem que deveria ter morrido para o mundo; se ele
não morreu para o mundo, o que está fazendo aí? Afinal de contas, a Igreja e o
sacerdócio ou servem para o Céu, ou não servem para nada, podem fechar as
portas.
JL: E de que maneira a Igreja Católica pode assumir
a sua verdadeira missão?
Padre Paulo
Ricardo: A
grande dificuldade é que a Igreja, nas últimas décadas, introjetou a acusação
dos marxistas – de que “a religião é o ópio do povo”. Ela se sente culpada de
falar do Céu, de salvação eterna, de felicidade futura. E tenta desconversar
com uma suposta doutrina social. Você vai para a Igreja e dizem que a
finalidade da religião é “fazer um mundo melhor”. Ora, mas essa não é a
finalidade da Igreja! Bento XVI, na encíclica “Spe Salvi”, que houve uma
imanentização da esperança cristã. A esperança cristã era voltada para o Céu,
agora a gente espera a coisa aqui na Terra. A gente espera um mundo ideal, um
mundo melhor, em desfavor da transcendência.
Paulo Briguet: Foi a partir desse episódio que o sr.
iniciou o trabalho de evangelização na internet?
Padre Paulo
Ricardo: Na
verdade, a coisa foi gradual. O episódio do avião foi em 2005. Existem
conversões fulminantes, como a de São Francisco – o homem que um dia era
pecador, no outro era virtuoso. Comigo não foi assim. Ou melhor: comigo não
está sendo assim – porque ainda não terminou. Sempre fui um menininho
comportado, conservador, usava traje social, camisa de manga comprida... Quando
entrei no seminário, logo veio a tentação da carreira. Eu me saía melhor nos
estudos; era apreciado pela maneira como falava; comecei a pensar numa carreira
dentro da Igreja. Fui para Roma, fiz Teologia lá.
Vivia mais no Vaticano do que Universidade, sempre metido com cardeais e gente
importante. Quando fui ordenado padre pelo papa João Paulo II, passei a
desempenhar algumas funções menores na Santa Sé, nada muito importante. Minha
pretensão era voltar ao Brasil, servir a diocese por um tempo e depois fazer
carreira no Vaticano. Mas aconteceu que em 1997, tive uma experiência de
conversão. Uma experiência com Santa Teresinha. Ali eu comecei a perceber que
não poderia ser padre sem abraçar uma cruz. Não poderia transformar o
sacerdócio numa carreira. Entendi que o sacerdócio não era um homem, mas o
sacrifício de um homem. Passei a me voltar mais para Deus, para a
espiritualidade. Eu já era padre há cinco anos. Em 2002, eu conheci pela
internet o filósofo Olavo de Carvalho e comecei a ler tudo que ele escrevia.
Foi como se escamas caíssem dos meus olhos. Você descobre por que apanhou a
vida inteira: você descobre por que lutava numa argumentação, vencia os
debates, mas nada mudava.
A partir disso, passei a ver que as razões verdadeiras não eram as razões
apresentadas em discussões. Tem sempre algo debaixo da mesa. Tem sempre a má
intenção por trás – o que é típico da mentalidade revolucionária. Em 2005,
houve o episódio do avião. De 2005 para frente, eu passei a ser muito mais
claro no que dizia. A partir daí comecei a realizar uma pregação mais clara
contra a corrente geral.
JL: Como o sr. definiria hoje o seu papel na
Igreja?
Padre Paulo
Ricardo: Hoje
eu vejo que não nasci para ser bispo. Que nasci para ser pai de bispo, ou seja,
formar uma geração de novos padres – e, um dia, um deles será bispo. Um dia algum
deles vai ajudar a Igreja no episcopado. Para mim, o importante é saber agora
que o silêncio não vai ajudar a Igreja. A gente vê no jovem a gratidão imensa
quando você fala.
O filósofo
Eugen Rosenstock-Huessy, pouco conhecido no Brasil, analisa as doenças da
linguagem. Uma delas é a guerra; outra é a crise. O que caracteriza a guerra? A
guerra é quando eu não quero ouvir o meu inimigo. Já a crise é o contrário: é
não falar ao amigo. Meu amigo precisa de minha ajuda, eu sei onde está a
solução, mas por conveniência eu calo. Assim a sociedade entra em crise.
A sociedade está em crise porque os líderes morais que poderiam dar uma
orientação às pessoas estão calados. Alguém tem de pagar o preço de falar.
Mesmo sabendo que, ao falar, a pessoa vai sofrer o martírio dos tempos
modernos, como o papa Bento XVI descreve com muita clareza, até porque ele
mesmo é vítima desse processo. O martírio dos tempos modernos é o assassinato
da personalidade. É transformar o sujeito em não-pessoa.
É a calúnia, a perseguição. Você vai sendo fritado. Então, hoje nós precisamos
na Igreja do Brasil de padres e bispos mártires. Uso sempre a palavra
profético, mas a palavra mais adequada seria mártir. Martyrios em grego quer
dizer testemunha. Alguém que crê tanto no Reino do Céu que está disposto a
desprezar o reino dos homens.
JL: Há uma guerra cultural em curso no Brasil de
hoje, à semelhança do conflito que Peter Kreeft identificou na sociedade
norte-americana?
Padre Paulo Ricardo: Existe uma guerra cultural
incipiente no país. Ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos, a esquerda
brasileira conseguiu a hegemonia da mídia. Em todos os âmbitos. Qualquer um que
seja oposição só tem um espaço de militância atualmente, que é a internet.
Basicamente esse é o espaço que nos concedem – ainda. A esquerda diz que a
revolução só pode ser alcançada se houver um período que a precede, chamado de
acumulação de forças.
Nós estamos no
período de acumulação de forças. Ainda não existe guerra de fato. Guerra supõe
exército dos dois lados. O que existe é um exército que invadiu e ocupou o
país. Nós temos uma ocupação hegemônica da esquerda. Mas a geração está sendo
formada. Bento XVI, nesse sentido, foi o homem da Providência para a Igreja e
para o Brasil. É preciso recomendar que o cardeal Joseph Ratzinger foi o homem
que condenou a Teologia da Libertação. Antes, quando se citava o cardeal
Ratzinger, tudo quanto era bispo e padre aqui no Brasil dizia que isso era uma
“visão radical”. Hoje em dia, cita-se Bento XVI e todos têm que ficar calados,
porque não podem dizer que o papa é radical. O papa nos deu carta-branca. Está
servindo como escudo para que a gente possa agir. Dentro do meu ministério, eu
sempre tenho como diretriz lutar as lutas que o papa está lutando.
De tal forma que o bom católico veja que eu não estou seguindo uma ideologia;
eu estou seguindo a fé da Igreja de 2000 anos. A hegemonia esquerdista no
Brasil é tal que a pessoa que pretende ser católica se sente um peixe fora
d’água. A oposição ao pensamento do papa é tão grande que a maior parte dos
jovens se sentiria fora da Igreja. A esquerda católica nos acusa – a nós que
somos fiéis a Bento XVI – de estarmos fora da Igreja. Mas já que o papa está ao
nosso lado e nós estamos ao lado do papa, eles não podem mais dizer isso.
Padre Paulo
Ricardo: É a
chamada ideologia do Estado laico. Segundo essa ideologia, qualquer pessoa que
tenha uma visão religiosa do mundo deve guardá-la para sua vida privada. Para
os defensores dessa ideologia, a religiosidade não tem espaço público, não tem
cidadania. Uso essa expressão – minoridade – para dizer que nós somos cidadãos
brasileiros como os menores de idade. Mas nem todos os nossos direitos são
reconhecidos. Os menores de idade não podem votar, não podem dirigir carro, têm
direitos e responsabilidades limitadas. Há um grupo que se apossou da “classe
falante” e não nos dá direito de falar e expressar nossas opiniões – porque nós
somos religiosos.
O fato é o seguinte: o ateísmo é uma atitude tão religiosa quanto o
catolicismo, pois vê o mundo a partir de um prisma religioso, a não-existência
de Deus. Não existe alguém indiferente ao problema religioso. Se você varre do
espaço público qualquer manifestação religiosa, não está colocando o Estado nas
mãos de uma visão religiosamente isenta; você está impondo uma religião que se
chama materialismo ateísta. Os ateus não são cidadãos de primeira categoria e
nós não somos cidadãos de segunda categoria.
Eles são tão cidadãos quanto nós; têm o direito de ser ateus. Só que, numa
democracia, quem dá o tônus do ambiente cultural é a maioria. A maioria
esmagadora da população brasileira é extremamente religiosa. Portanto, nós não
temos por que ficar amordaçados por uma minoria de ateus militantes.
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