sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

"Deus tem seus caminhos..." Homengem a Dom Licínio Rangel. Alguns dados da vida de Dom Licínio Rangel, primeiro Administrador Apostólico, falecido ao 16/12/2002.


Hoje dia 16 de dezembro de 2011 9ª aniversário de falecimento do 1º Bispo Administrador Apostólico Dom Licínio Rangel.

    "Deus tem seus caminhos..."


          
Esta biografia de nosso saudoso Dom Licínio é de muito valor, pois é quase toda narrada por ele mesmo em entrevistas que concedeu e confidências feitas a seus padres.

     Os primeiros anos

     Dom Licínio Rangel, nasceu a 5 de janeiro de 1936 em Ponta Grossa dos Fidalgos, lugarejo do interior Campista, sendo o segundo dos nove filhos do Sr. Amaro Pinto Monteiro e D. Imperalina Petronilha Monteiro, ambos de origem pobre e humilde.

     Já desde pequeno os pais notaram no pequeno Licínio uma acentuada tendência religiosa, que a seu tempo viria florescer.

      Sobre sua infância, D. Licínio dizia:

      "Passei minha infância e uma boa parte da adolescência longe de Deus, sem conhecimento nenhum da religião, portanto sem prática religiosa nenhuma... eu não conheci nenhum padre, muito menos assisti a uma Missa... e isso não por meu querer ou por falta dos meus pais. Vivíamos em um lugar muito afastado, muito do interior e na época não havia assistência religiosa, mesmo por dificuldade de comunicação com os centros de Campos, por exemplo. Infelizmente minha infância foi assim, marcada por esta situação... Mas Deus tem seus caminhos..."

      Em 1950 uma circunstância vai mudar o rumo da família Monteiro: o estudo dos filhos urgia e para tanto era necessário o traslado para Campos, onde havia mais recursos. E como eram pais zelosos, o Sr. Amaro e D. Imperalina decidiram levar toda a família para Campos.

            
Vida nova em Campos

      Chegando a Campos, D. Licínio começou logo a trabalhar, sua mãe conseguiu-lhe um emprego na casa "Neves Irmãos", onde trabalhou por pouco tempo.

      Logo em seguida passou a trabalhar na farmácia "Arlindo", onde aprendeu noções de enfermagem que mais tarde lhe foi muito útil tanto como seminarista, quanto como padre.

      Saindo da farmácia, trabalhou até sua ida para o Seminário em uma conceituada loja de tecidos que havia em Campos.

      Durante este tempo, D. Licínio trabalhava durante o dia e estudava à noite. Esta situação mudou sua vida religiosa: "Foi durante o estudo no grupo escolar noturno que eu comecei a conhecer a religião. Duas Filhas de Maria iam semanalmente levar a catequese aos alunos e prepará-los para a Páscoa. Eu ia seguindo aquelas aulas, aprendendo as primeiras noções." D. Maria Mendes foi de modo especial a catequista que lhe ensinou a doutrina cristã e preparou-o para a primeira Comunhão.

            Um panorama novo

      Junto com suas noções de religião, apareceu de forma marcante a presença de Nossa Senhora, que o acompanhou até seus últimos instantes. Algo, sem dúvida, característico de D. Licínio foi sua devoção a N. Senhora.

      "Ao mesmo tempo Nossa Senhora me atraía para a religião de outra maneira. Há em Campos uma gruta, na igreja de São Francisco; muitas vezes eu passava ali e chegava um pouco para rezar a Nossa Senhora... e sentia um atrativo, Nossa Senhora ia me atraindo para a religião. Era todo um panorama novo que se abria diante de minha mente, como o sol que se abre depois de uma noite de trevas."

      Mais tarde, já em 2001, falando sobre uma possível ida a Lurdes, dizia: "Tenho muitas graças para agradecer a Nossa Senhora de Lourdes. Tenho também muitas graças a pedir para as minhas necessidades espirituais pessoais e da Tradição. Por fim, a minha saúde. Se for da vontade de Deus, estou certo de que Nossa Senhora de Lourdes me fará também essa última graça." Infelizmente, este desejo não se concretizou.

      Passado o tempo de preparação, Dom Licínio fez sua primeira comunhão na Catedral Diocesana no dia 29 de junho de 1953, festa de S. Pedro e S. Paulo. "Foi uma grande graça para mim. Tomei a resolução de aí por diante assistir fielmente à Santa Missa dominical, seguir o que Nosso Senhor quisesse de mim."

      A formação espiritual

      Algo também muito marcante na sua vida foi a participação na Congregação Mariana. O primeiro convite para freqüentar as reuniões partiu do Sr. Jorge Arêas, Congregado Mariano da Paróquia de Nossa Senhora do Terço, mas, por motivos providenciais, o convite se viu frustrado. "Fui, mas não acertei com nada: a igreja estava vazia, não havia ninguém, não sabia a quem perguntar, aonde subir... então desisti e fui embora."

      Um segundo convite veio por parte do Dr. José de Oliveira Andrade, o baiano, presidente da Congregação Mariana da Catedral. Desta vez tudo deu certo e foi no dia 15 de agosto de 1953 que D. Licínio fez sua consagração como Congregado Mariano. "Aí foi que minha vida religiosa passou a ter um sentido de aproximação com a Igreja, freqüência nos sacramentos e fui tendo contato com Dom Antônio."

      Foi como Congregado Mariano que se deram os primeiros contatos de D. Licínio com Dom Antônio, que foram se consolidando e estreitando com o tempo. Desde o começo D. Licínio apreciava o modo seguro como D. Antônio conduzia a diocese. Já como Bispo, falando do pastoreio de Dom Antônio, disse: "Não somente os fiéis dessa Diocese lhe somos grandes devedores. A sua ação pastoral transpôs os limites de sua jurisdição e foi ao encontro de almas sedentas de verdade e segura orientação no mundo inteiro. O seu renome de teólogo profundo e Pastor zeloso correu o mundo. Várias de suas Cartas Pastorais foram publicadas em diversas línguas, e serviram de suporte doutrinário para grande número de católicos em vários países."

      Em 1955 foi enviado pela Congregação Mariana como representante ao Congresso Eucarístico Internacional, no Rio de janeiro.

      "Como Congregado Mariano fiquei em Campos cerca de 5 anos, no final deste período, por volta do ano 56, me deu vontade de deixar o mundo e me consagrar a Deus.

      A atividade então de Mariano teve um período de preparação e depois passei também a participar de outras atividades da Congregação Mariana que eram a visita dos hospitais, presídios, no Domingo, onde se levava uma palavra de conforto e também ajuda na catequese. O apostolado da Congregação Mariana era um pouco restrito, sem movimento maior, mas muito benéfico para mim, para uma formação espiritual bem intensa".

      O despertar da vocação

      A princípio, ao ouvir as histórias dos santos, D. Licínio pensou em consagrar-se a Deus vivendo uma vida eremítica.

      "Falei então com o diretor da Congregação, Monsenhor Jasón Barbosa Coelho, e ele me disse que eu era muito franzino, muito magrinho, eu tinha apenas 52 quilos, - Você não vai agüentar, é uma vida muito severa, muito austera. - Por que você não se torna padre diocesano, a diocese precisa tanto de padres – disse-me ele. Dom Antônio está construindo o seminário...

      Ele ficou de ver quando Dom Antônio poderia receber-me.

      Um dia fui ao Palácio, Dom Antônio me recebeu e falei com ele que queria ser padre. Ele me disse: - Está bem, vou pensar! E me despediu.

      Passou o tempo e um dia, depois da Missa, ele me disse: - O Padre Cordeiro vem aí quarta-feira e você vai com ele! Eu tomei aquele susto e disse a Dom Antônio que não era possível, eu estava trabalhando e era necessário agir muitas coisas, dar aviso prévio no trabalho, não era possível sair assim".

      Já se vê aqui a grande prudência de D. Licínio, atitude que o acompanhará durante toda sua vida.

      Ao revelar sua decisão à família, a mãe não estranhou, pois dizia que já era de se esperar. O restante da família se questionava sobre como se faria para custear seus estudos, os gastos do seminário. Sua resposta sempre serena era "Não se preocupem, Deus dará um jeito!"

      Para melhor preparar sua entrada no Seminário, D. Licínio deixou o seu segundo ano na Escola Técnica de Comércio e passou a dedicar-se ao estudo do latim com as aulas ministradas por Mons. Jasón.

            
No Seminário de Varre-Sai

      Por fim, em março de 1957, com 21 anos de idade, ingressou no Seminário de Maria Imaculada, em Varre-Sai, onde permanecerá durante 4 anos.

      "Apesar de alguns percalços, dificuldades próprias de seminários que começam a funcionar: o prédio sem terminar, o segundo andar sem cobertura ainda, em toda uma situação excepcional, éramos formados dentro de um ambiente tradicional, tomando já conhecimento dos problemas da Igreja.

      O problema da época não era o progressismo, mas sim o liberalismo. As pessoas se dividiam em católicos fervorosos e católicos liberais. Notava-se esta distinção tanto nos fiéis quanto no clero."

      Durante o tempo do seminário em Varre-Sai, D. Licínio pensava muito no futuro. Uma vez terminado o seminário menor onde encontrariam um bom seminário para os estudos teológicos?

      "Diante do grande problema que passava a Igreja, eu e o Pe. Eduardo, meu companheiro de turma e de ordenação, ficávamos muito apreensivos se chegaríamos mesmo a nos ordenar. A preocupação era esta: no seminário menor tínhamos uma boa orientação, mas em Campos não havia seminário maior, será que encontraríamos um bom seminário para o curso teológico?"

      Perguntado um dia se estas dificuldades não lhe fizeram pensar em desistir, respondeu: "... Graças a Deus, nunca pensei em desistir! Eu tinha este grande desejo de consagrar-me a Deus. Preocupava-me com a possibilidade de não terminar os estudos, mas confiava em Nossa Senhora a quem havia consagrado a vocação. Se tivesse que sair do seminário estava disposto a seguir a vocação da maneira que Nosso Senhor quisesse, se fosse o caso. Mas sempre havia em mim o grande desejo de chegar ao fim, de ser padre, de servir a Nosso Senhor, celebrar a Santa Missa e dedicar a vida ao apostolado próprio do sacerdote."

      Seminarista Maior

      Terminado o Seminário menor, Dom Antônio enviou D. Licínio e Pe. Eduardo ao seminário de D. Jaime de Barros Câmara, arcebispo do Rio de Janeiro, o Seminário de São José. Mas a permanência no Rio de Janeiro será curta:

      "O ambiente não era bom. Dom Jaime exigia dos padres, mas os padres não lhe obedeciam. Havia o espírito do mundo dentro do Seminário.

      Ficamos no Seminário de São José somente até as férias depois da Páscoa, pois pedimos a Dom Antônio para não voltar, devido a problemas internos do Seminário."

      Justo neste tempo foi nomeado Bispo de Diamantina D. Sigaud, amigo de D. Antônio. D. Antônio resolveu então enviá-los para lá.

      "Sem dúvida o ambiente de Diamantina era outro. O seminário estava entregue aos Lazaristas. Em Diamantina estudamos o curso de filosofia e teologia."

      Em Diamantina, Dom Licínio foi nomeado pelo Reitor do Seminário encarregado dos esportes. Função que desempenhou com tanto empenho que lhe mereceu a estima de todos os seminaristas. Tal era a sua dedicação que sacrificava todo o tempo da recreação costurando as bolas e consertando os apetrechos que seriam usados para a diversão dos seminaristas – nos conta o Pe. Eduardo. O mesmo padre afirma que o que mais chamava a atenção em Dom Licínio seminarista era a sua profunda piedade e seu grande espírito de pobreza.

      Por decisão de Dom Antônio, o último ano da teologia foi ministrado na diocese de Campos, sob a orientação do Pe. Emanuel José Possidente. Os dois diáconos (D. Licínio e Pe. Eduardo) ficaram no Seminário de Varre-Sai onde assistiam às aulas e no fim de semana iam ajudar nas paróquias, adquirindo assim prática no campo pastoral.

      Sacerdos in aeternum

      A ordenação sacerdotal se deu na catedral diocesana no dia 24 de setembro de 1967. Como padrinho de ordenação D. Licínio teve o Revmo. Pe. Francisco Apoliano. Dos quatro seminaristas que começaram no Rio de Janeiro, somente dois chegaram ao fim.

      Como primeira missão, o jovem padre Licínio foi nomeado vigário cooperador de Mons. Ovídio Simón e vice-diretor do Ginásio Fidelense.

      "Durante a semana me dedicava mais ao Ginásio e no fim de semana ajudava na Paróquia."

      Dom Antônio percebeu logo a grande disponibilidade e generosidade do neo-sacerdote. Em 1969, nomeou D. Licínio Pároco de Morro do Coco, sem contudo removê-lo de S. Fidélis. Nos primeiros dias da semana ele atendia S. Fidélis e passava o fim de semana em Morro do Coco.

      No dia 7 de junho de 1969, com 69 anos de idade, falecia seu pai, o Sr. Amaro Pinto Monteiro.

      Em 1970, os Padres Carmelitas assumiram a Paróquia de Morro do Coco, e assim novamente para tapar as lacunas da Diocese, D. Licínio foi nomeado Pároco de S. João da Barra, onde exerceu seu apostolado do mesmo modo que em Morro do Coco.

      A 14 de fevereiro de 1970 faleceu D. Imperalina, sua Mãe.

      Em 1972, Dom Licínio foi nomeado Reitor do Seminário Menor de Varre-Sai e ao mesmo tempo Diretor Espiritual do Seminário Maior de Campos, ao qual ia semanalmente atender os seminaristas. Mais tarde, com a unificação do seminário maior e menor em um mesmo prédio, em Campos, D. Licínio foi nomeado Reitor também do seminário maior. Função que, mais tarde, acumulou com a de Capelão dos hospitais.

      Em 16 de março de 198l, recebeu de S. S. o Papa João Paulo II, a pedido de S. Exa. Revma. Dom Antônio de Castro Mayer, o título de Monsenhor.       Em 30 de dezembro de 1981 foi nomeado, por S. Exa. Revma. D. Carlos Alberto Navarro, Vigário Cooperador do. Pe. José Gualandi na igreja de Nossa Senhora do Terço.

      Durante o período de exceção, Dom Licínio formou com Dom Antônio de Castro Mayer e outros sacerdotes colegas seus a União Sacerdotal São João Maria Vianney, para a conservação da mesma orientação litúrgica e pastoral. Com a morte de D. Antônio, Dom Licínio passou a exercer o cargo de superior da mesma União.

      Bispo da Santa Igreja

      Em junho de 1991 foi sagrado bispo, numa situação extraordinária para atender aos fiéis ligados à liturgia tradicional da Igreja. Mas ele não perdia de vista que seu episcopado tinha sido por uma situação anormal, tinha consciência de que o normal para o católico e muito mais para o bispo é estar unido e submisso à Hierarquia da Igreja, ao Papa: "Eu gostaria de não ser bispo. O ideal é que não houvesse crise, eu não fosse bispo e continuasse como padre atendendo aos fiéis...".

      Durante este tempo não deixou de auxiliar os padres mesmo em tarefas simples como atender a pequenas Capelas da zona rural.

      O Pe. José Possidente soube expressar muito bem, e de forma poética, o seu labor episcopal:

      Do múnus de reger: firmeza e mansidão

      (De um pai é o coração!);
      No ofício de ensinar é o zelo em ministrar
      A doutrina às ovelhas;
      No de santificar:
      Meus Deus, quanta humildade,
      Base da caridade
      Com que amais as almas de verdade
      E delas vos lembrais no santo altar
      Para a Deus reparar!

      O começo do Calvário
Em 1997 D. Licínio descobriu que havia contraído câncer. Submeteu-se a uma cirurgia na qual foi extraído um rim, cirurgia que a princípio pareceu conter o mal. Ao descobrir a doença não alterou em nada seu estilo de vida, sem nenhuma afetação desempenhava suas funções de costume.

      Em 2000 apareceu novamente a doença e agora com metástase também nos pulmões.

      Dom Licínio sempre encarou com tranqüilidade a enfermidade. Nunca escondeu dos padres a seriedade da doença, sabia e dizia que o seu fim estava perto..

      Início das tratativas

No Jubileu de 2000, a Providência Divina começou a dispor a regularização do episcopado de Dom Licínio. Ele mesmo incentivou a participação de representantes nossos na peregrinação do Ano Jubilar, da que a princípio ele também participaria. A Peregrinação acabou por chamar a atenção da Santa Sé e fazer com que ela abrisse as portas para o diálogo, que terminou com o nosso reconhecimento.

      Começaram então as conversações que foram dirigidas por S. Eminência o Cardeal Darío Castrillón Hoyos, Prefeito da Congregação para o Clero. Em carta dirigida ao Eminentíssimo. Sr. Cardeal, Dom Licínio dizia: "É por motivo de saúde que não estou participando pessoalmente das tratativas.... Estou sendo informado de todos os pressupostos e condições que estão sendo tratadas através de meu enviado e representante, Pe. Fernando Arêas Rifan."

      Apenas a Santa Sé ofereceu a oportunidade de regularização, Dom Licínio afirmou: "acabou-se o estado de necessidade!" Como ele explicava, isso não significa que se acabou a crise na Igreja. Ela continua e a luta também. O que terminava, com a oferta da Santa Sé para a nossa regularização, era a necessidade de conservar um bispo sagrado contra a vontade do Papa, quando este mesmo oferecia o reconhecimento da Sagração de um Bispo para a Missa Tradicional. E ele tudo fez para que as conversações com a Santa Sé chegassem a bom termo.

      Por determinação expressa de Dom Licínio, seu representante em Roma, Pe. Fernando Arêas Rifan, deu continuidade às tratativas, apesar das pressões daqueles que se obstinavam em continuar separados de Roma. "... Declaramos que não podíamos recusar a oferta que Roma nos fazia enquanto nada constasse em suas propostas que repugnasse aos princípios da Tradição."

      A 18 de setembro de 2001, o representante de Dom Licínio, o mesmo Pe. Fernando, entregou ao Papa a carta a ele dirigida por Dom Licínio e seus padres da União Sacerdotal S. João Maria Vianney:

      "Beatíssimo Padre,
Embora sempre nos tenhamos considerado dentro da Igreja Católica, da qual nunca jamais tivemos a intenção de nos separar, contudo, devido à situação da Igreja e a problemas que afetaram os católicos da linha tradicional, que são do conhecimento de Vossa Santidade e cremos, enchem seu coração e o nosso de dor e angústia, fomos considerados juridicamente à margem da Igreja.
      É esse o nosso pedido: que sejamos aceitos e reconhecidos como católicos".

      Em dezembro de 2001, apesar de se sentir um tanto debilitado, pôde realizar em Bom Jesus sua última ordenação sacerdotal, ordenando o Pe. Everaldo Bon Robert e Pe. José Carlos Gualandi Degli Esposti. Por não se sentir bem, Mons. Henrique Conrado Fischer leu o seu sermão, que começou com as seguintes palavras: "Com a graça de Deus e a proteção de Nossa Senhora consigo reunir minhas forças e realizar essas ordenações sacerdotais. Faço-o, como sempre, para a glória de Deus, honra da Santa Igreja e salvação das almas." E dirigindo-se aos ordenandos, dizia: "Continuareis a Santa Missa de sempre, continuareis a renovação incruenta da Cruz redentora de Nosso Senhor diante de um mundo paganizado, materialista e edonista; dareis a mais preciosa contribuição para a continuação da Santa Igreja que o espírito protestante tende a destruir, dareis a Deus toda a glória que Lhe é devida e salvareis muitas almas... até o dia ansiosamente esperado da "restauração de todas as coisas em Cristo". Que nada vos detenha na consecução de bens tão altos: nem as dificuldades habituais, inerentes a sagrada missão, nem as tão excepcionais da hora presente."
      No Natal de 2001 recebeu a notícia da assinatura da carta do Papa antes da Missa do Galo. Sua alegria foi grande, mandou os Padres e Seminaristas cantarem, no final da Missa, o Te Deum de ação de graças.
      Na carta autógrafa, o Santo Padre dizia: "Foi com a maior alegria que recebemos a tua Carta de 15 de agosto último, com a qual a inteira União renovou a própria profissão de fé católica, declarando plena comunhão com a Cátedra de Pedro, reconhecendo "o seu Primado e governo sobre a Igreja universal, pastores e fiéis", e afirmando, igualmente: "por nada deste mundo, queremos nos dissociar da Pedra sobre a qual Jesus Cristo fundou a sua Igreja".
      Tomamos nota, com vivo regozijo pastoral, do vosso propósito de colaborar com a Sé de Pedro na propagação da Fé e da Doutrina Católica, no zelo pela honra da Santa Igreja - que se ergue como «Signum in nationes» (Is 11,12) - e no combate aos que tentam destruir a Barca de Pedro, inutilmente porque «as portas do inferno não prevalecerão contra Ela». (Mt 16,18). Damos graças ao Senhor, Uno e Trino, por tão boas disposições!"

      A hora da graça
      A Carta resposta do Santo Padre foi publicada na memorável cerimônia do dia 18 de janeiro de 2002, na Catedral Diocesana de Campos. Cerimônia oficiada por S. Ema. O Cardeal D. Darío Castrillón Hoyos, na qual o Santo Padre regularizava o episcopado de Dom Licínio, erigia a Administração Apostólica Pessoal "São João Maria Vianney" e nomeava Dom Licínio Administrador Apostólico.
Terminada a cerimônia Do      Licínio disse aos padres: "Agora já posso cantar o meu "nunc dimittis" (Podeis, Senhor, deixar partir em paz vosso servo)". De fato, foi sempre essa sua disposição: "Recebi o episcopado de emergência, declarei que esperava que as circunstâncias haveriam de mudar e então eu entregaria ao Papa o meu episcopado para que ele dispusesse como ele desejasse"
      E o Santo Padre dispôs de maneira extremamente benévola, nomeou Dom Licínio Administrador Apostólico, ou seja, seu representante imediato no governo da nova circunscrição eclesiástica, a Administração Apostólica.

      "Foi o nosso amor a Roma e ao Papa, nosso senso católico, fruto da formação que recebemos de D. Antônio de Castro Mayer, que nos levou a sempre desejar a união com a Hierarquia da Santa Igreja. Sempre tivemos consciência de que a nossa posição de resistência pro Tradição e conseqüente situação de exceção deveria ser circunstancial, temporária."

      Sobre a importância da Administração Apostólica, Dom Licínio dizia: "Foi uma grande vitória para a Santa Igreja. Agora temos uma circunscrição eclesiástica, oficial, aprovada pela Santa Sé, com o direito da Missa e disciplina litúrgica tradicionais. Te Deum laudamus!"

      Logo após o reconhecimento seu estado de saúde decaiu notavelmente, mesmo assim, com grande sacrifício, pôde celebrar a missa crismal. A partir desta época já não podia mais celebrar diariamente a Santa Missa.

      Missão cumprida

Como Administrador       Apostólico, D. Licínio se dirigiu ao Santo Padre pedindo um Bispo coadjutor, pois já sentia suas forças definharem e via o vasto campo de trabalho que se apresentava.

      Em 28 de junho ele recebeu a grata notícia da Nunciatura Apostólica comunicando que o Santo Padre o Papa João Paulo II nomeava bispo coadjutor da Administração Apostólica, o Pe. Fernando Arêas Rifan. Na ocasião dizia: "Agora tenho duas bengalas!"

      Após esta notícia, notou-se uma relativa melhora no seu estado de saúde: a Providência preparava sua presença na Sagração.No dia 3 de agosto, celebrou pela última vez a Santa Missa.

      Para a surpresa de todos, no dia 18 de agosto de 2002, D. Licínio não só esteve presente na Fundação Rural de Campos, mas também participou da cerimônia da Sagração Episcopal de D. Fernando como Co-sagrante. No fim da cerimônia, com lágrimas nos olhos e voz trêmula disse a D. Fernando, ao cumprimentá-lo: "Graças a Deus!" Palavras ditas num sentimento de missão cumprida: a situação regularizada, a sucessão garantida.

      Apesar da debilidade, D. Licínio sempre presidia a reunião do clero e mostrava aos padres sua satisfação e tranqüilidade com a ajuda que Dom Fernando passou a prestar-lhe.

      Fase final da enfermidade

      Durante toda a enfermidade, o Sr. Lélio, irmão de D. Licínio, juntamente com a esposa D. Maria José, bem como os demais irmãos e parentes, proporcionaram-lhe grande conforto. Dom Licínio se sentia também muito confortado com a presença e os inúmeros cuidados da família Barreto, de suas concunhadas.

      Durante toda a sua enfermidade, Dom Licínio demonstrou também uma profunda gratidão para com todos aqueles que lhe prestavam serviços: seminaristas, padres, médicos e enfermeiros dos diversos hospitais por onde passou.

      Com muita tranqüilidade e realismo falava da sua doença. Nunca deixou que no hospital tomassem a vez de outro doente, sempre dizia: "Tem gente aqui que sofre muito mais do que eu". Nunca negligenciou os meios ordinários no seu tratamento, se submetia a todos, mesmo aos mais dolorosos e incômodos.

      No dia 8 de dezembro, festa da Imaculada, pediu a Extrema-unção que lhe foi administrada por seu confessor, Mons. Henrique Conrado Fischer.

      Últimos dias

      13 de dezembro: D. Licínio deixou o Seminário sabendo que não voltaria mais. Pediu para levar o seu velho terço que o acompanhou por mais de 40 anos, seu desejo era ser enterrado com ele.

      No dia 14 de dezembro, o Pe. Emanuel José Possidente levou-lhe o Santo Viático.

      No dia seguinte pôde comungar novamente, mas logo se sentiu mal. Com muito medo de que, com as náuseas, perdesse a Nosso Senhor, suplicou: "Virgem Maria, guardai o meu Jesus!". O quadro se agravou: começou a aumentar a falta de ar. Ainda neste dia, sentindo faltar-lhe o ar desta terra, dizia: "Virgem Maria, vinde em meu socorro." Neste momento tão difícil, D. Licínio gozava da presença de D. Fernando, Pe. José Possidente, Mons. Fisher e outros padres. "Quando virá, Senhor, o fim?" - suspirava.

      Na madrugada do dia 16 a morte parecia acercar-se. Em momentos de muita dor, muita falta de ar, não deixava de rezar pequenas jaculatórias. Espontaneamente dizia: "Não quero adiantar a hora... E oferecia seus sofrimentos: Pela conversão dos pecadores, perseverança dos justos, pelas Santa Igreja, pelas necessidades da Tradição." Sub tuum praesidium... (Debaixo da vossa proteção nos refugiamos, ó Santa Mãe de Deus...") era a oração mais repetida nas horas de dor, palavras que foram o seu lema episcopal. E repetindo várias vezes disse: "In te, Domine, speravi... in te, Domin,e speravi... non confundar in aeternum… Em Vós, Senhor, esperei... não serei confundido eternamente. Foram estas as suas últimas palavras.
     

      
Às 23:30 do dia 16, D. Licínio entregou santamente sua alma a Deus. Verdadeiramente D. Licínio poderia fazer suas as palavras de S. Paulo: "Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé!"

      O último adeus

      Cuidadosamente revestido de todos os paramentos episcopais, o corpo de D. Licínio foi trasladado ao Seminário, onde foi velado. O corpo foi recebido pelos padres e seminaristas que logo começaram as orações em seu sufrágio e a celebração das Missas de corpo presente.

      Às 9:00 hs. o féretro saiu em direção à igreja de Nossa Senhora do Terço, onde foi velado até às 15:00 hs. D. Fernando celebrou a Santa Missa Pontifical e oficiou também as Exéquias. Estiveram presentes D. Roberto Gomes Guimarães, exmo. Sr. Bispo Diocesano, Mons. Joaquim Ferreira Sobrinho, Vigário Geral da Diocese, todos os padres da Administração Apostólica, alguns padres e Seminaristas da Diocese, religiosas, e grande número de fiéis.

      "Deus tem seus caminhos..." A providência divina nos prepara surpresas. Sob o olhar de Nossa Senhora de Lurdes, D. Licínio começou sua aproximação com Deus, Ela mesma o atraiu à vida religiosa... É também sob o olhar de Nossa Senhora de Lurdes que seu corpo foi velado, Nossa Senhora vem a seu encontro para levá-lo para a eternidade.

      Terminadas as cerimônias exequiais, seu corpo foi levado em um grande cortejo até o cemitério do Caju.

      Dom Licínio havia manifestado a D. Fernando e aos padres o desejo de ser sepultado na Igreja Principal, na Igreja do Imaculado Coração de Nossa Senhora do Rosário de Fátima, e pediu que também D. Antônio fosse levado para lá. Provisoriamente os restos mortais de D. Licínio descansam no cemitério do Caju, na capela da Ordem Terceira do Carmo, ao lado de Dom Antônio.

      Dom Licínio deixou para todos os que o conheceram um exemplo de humildade, simplicidade, desapego das coisas do mundo, prudência, fortaleza e amor à Igreja.

      Vossa Cruz peitoral é preciosa,
      É de ouro
      Mas o vosso tesouro
      Se oculta sob os véus desta jóia bendita:
      Deus reserva no céu
      Pra quem morre na graça,
      Beber de sua taça,
      O prêmio da visão,
      A paz do coração,
      A alegria que não
      Há de findar jamais, porque é infinita.
      Tal seja a vossa dita!

     

      (Homenagem do Pe. Emanuel José Possidente)
      Dever de gratidão

Por mais de dez anos, Dom Licínio exerceu para conosco o papel de Pai, Guia e Mestre. Sua vida foi toda dedicada à salvação das almas. Não deixemos de retribuir toda a sua dedicação com a nossa oração em sufrágio de sua alma.

      "Ó Deus, que chamastes ao ministério episcopal o vosso servo Dom Licínio Rangel, colocando-o entre os sucessores dos Apóstolos concedei-lhe também associar-se a eles no convívio eterno. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo, por todos os séculos dos séculos. Amém."

Administração Apostólica São João Maria Vianney

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