Na Igreja Católica há uma só precedente de um condenado à morte
por delitos comuns e que, convertido, foi posto nos altares: o Bom Ladrão, crucificado com Jesus no Calvário.
Isso explica a extrema prudência com que foi introduzida a causa de
beatificação, 40 anos depois da morte, de Jacques Fesch, isto é, depois de
longuíssima reflexão por parte do então arcebispo de Paris, e autorizada pela
Congregação das Causas dos Santos, à qual compete agora a segunda fase do
processo.
No momento de abrir a causa, o cardeal Lustiger, arcebispo de
Paris, explicou que “para a Igreja, declarar alguém santo, por mais pecador que
tenha sido, não significa propor à admiração seus erros ou crimes; pelo
contrário, significa apontar o exemplo de conversãode
alguém que, apesar de uma vida pregressa condenável, soube ouvir a voz de Deus
e retornar a Ele. Não existem pecados, por mais graves que sejam, que impeçam a
Deus de ir ao encontro do ser humano e de lhe propor a salvação”.
Palavras semelhantes já tinham sido pronunciadas pelo cardeal
Lustiger em 23 de novembro de 1986, num discurso aos presos da penitenciária da
“Santé”, evocando pela primeira vez em público a possibilidade de beatificar o
jovem homicida, convertido, Jacques Fesch.
O teólogo André Manaranche, em resposta às polêmicas surgidas na
França por ocasião do início da causa de beatificação e que, nos últimos anos,
de vez em quando reaparecem nos meios de comunicação, escreveu: “Beatificar
Jacques Fesch não significa reabilitá-lo no plano moral, nem passar-lhe um
certificado de bom comportamento ou conferir-lhe uma honraria tipo “Legião de
Honra”. Sua conversão é de ordem espiritual. Beatificar Jacques Fesch seria
reconhecer que a comunidade cristã pode invocar alguém que está junto de Jesus”.
No dia 2 de dezembro de 2009, o cardeal Ângelo Comastri
acompanhou, no Vaticano, a irmã de Jacques Fesch, Mônica, que confidenciou ao
Papa: “Com meu irmão eu me entendia perfeitamente. Oito anos mais velha do que
ele, fui sua madrinha de batismo e, indo visitá-lo na prisão, acompanhei de
perto sua conversão”. Posteriormente, o cardeal Comastri contou ao Osservatore
Romano: “Quando eu era capelão da penitenciária de “Regina Coeli”, um preso me
deu a conhecer a história fascinante de Jacques Fesch. É um testemunho extraordinário:
de origem belga, filho de família da alta burguesia, jovem desorientado,
tornou-se assassino e foi condenado à morte. Tinha 27 anos. Na prisão, viveu
uma conversão radical, fulgurante, atingindo em pouco tempo altos níveis de
espiritualidade e mesmo de vida mística”.
O pai, Jorge, diretor de importante instituto de crédito em
Bruxelas, era gerente de um banco em
Saint- Germain-em-Laye, perto de Paris. Ateu e de temperamento
autoritário, não compreendia a insegurança do filho Jacques, sensível e
inquieto, a ponto de negar-lhe a ajuda econômica que ele pedia para empreender
uma navegação solitária em redor do mundo, fugir das consequências de uma
falência comercial e das responsabilidades da família que, muito jovem, tinha
formado. A fim de conseguir os recursos para seu plano, negados pelo pai, no
dia 24 de fevereiro de 1954, o jovem, em Paris, entra armado numa casa de
câmbio e fere com uma coronhada na cabeça um funcionário. Depois, tentando
fugir, mata involuntariamente um policial: o tiro partiu sem que ele tirasse o
revólver do bolso.
Preso, os pais encontram forças para visitá-lo e confortá-lo.
Quando a mãe, aterrorizada, fica sabendo que o filho corre o perigo de
enfrentar a guilhotina, ela oferece a Deus a própria vida para que o filho,
tanto tempo descuidado pela família, pelo menos possa “morrer bem”.
Enquanto a justiça dos homens faz seu percurso com os processos,
os interrogatórios, as acusações do ministério público e os planos da
defensoria, o jovem, na solidão de sua cela, começa a ler revistas, clássicos,
romances que lhe oferecem na prisão. Outros livros chegam à suas mãos por parte
da família, do capelão e do advogado Baudet, um convertido que se tornou
terciário carmelita. Jacques fica impressionado com as figuras de Francisco de
Assis, Teresa de Ávila, Teresinha do Menino Jesus.
Depois de um ano de detenção, tem uma experiência mística. Ele
escreve numa carta destinada à sua filha Verônica, de apenas seis anos:
“Naquela noite, eu estava na cama com os olhos abertos e, pela primeira vez na
vida, eu senti realmente uma “intensidade” rara por aquilo que me tinha sido
dito a respeito de certas coisas da minha família. Foi então que brotou do meu
peito um grito: “Meu Deus!”, e instantaneamente, como um vento impetuoso que passa
sem que eu soubesse donde vem, o Espírito do Senhor me agarrou pela garganta”.
Numa outra carta ele confidenciou a um amigo: “Agora tenho de verdade a certeza
de começar a viver pela primeira vez. Tenho a paz e dei um sentido à minha
vida, enquanto antes eu não passava de um morto vivo”.
Isolado numa pequena cela, comunica sua fé por meio de cartas
que foram objeto de reflexões por parte de jovens católicos franceses,
especialmente nos oratórios salesianos. Aguarda sua execução em oração,
aceitando-a como uma ocasião da graça de Deus. Deixou um diário espiritual
apaixonante. Poucas horas antes de morrer, escreveu: “Dentro
de cinco horas verei Jesus”.
O presidente da República Francesa, René Coty, embora rejeitando
a solicitação de salvar-lhe a vida, disse: “Aperto-lhe a mão por aquilo que ele
se tornou”. Às 5,30 horas do dia primeiro de outubro de 1957, os guardas da
penitenciária vieram apanhá-lo para a execução capital na guilhotina.
Encontraram Jacques de joelhos, em oração, junto à cama arrumada. “Senhor,
não me abandones, eu confio em ti!”, foram suas últimas palavras.
(Artigo de SALVATORE IZZO, traduzido do italiano, com algumas
adaptações. – Na Internet você encontra mais notícias, fotos e vídeos sobre
Jacques Fesch, inclusive sobre suas cartas e seu diário espiritual).
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