O Papa Bento XVI continuou nesta
última quarta-feira, 31, as reflexões sobre a fé católica propostas por ele
para o Ano da Fé. Nesta catequese o Santo Padre exortou os fiéis a
não se deterem numa fé individualista, mas enraizada na fé da Igreja.
Queridos irmãos e irmãs,
Continuamos no nosso caminho de meditação sobre a fé católica. Na
semana passada mostrei como a fé é um dom, porque é Deus quem toma a
iniciativa e vem ao nosso encontro; e assim a fé é uma resposta com a
qual nós O acolhemos como fundamento estável da nossa vida. É um dom que
transforma a existência, porque nos faz entrar na mesma visão de Jesus,
que opera em nós e nos abre ao amor a Deus e aos outros.
Hoje gostaria de dar outro passo em nossa reflexão, começando mais
uma vez, por algumas perguntas: a fé tem um caráter somente pessoal,
individual? Interessa somente a minha pessoa? Vivo a minha fé sozinho?
Certo, o ato de fé é um ato eminentemente pessoal, que vem do íntimo
mais profundo e sinaliza uma troca de direção, uma conversão pessoal: é a
minha existência que recebe uma mudança, uma orientação nova. Na
Liturgia do Batismo, no momento das promessas, o celebrante pede para
manifestar a fé católica e formula três perguntas: crês em Deus
Paionipotente? Crês em Jesus Cristoseu único Filho? Crês no Espírito
Santo? Antigamente, estas perguntas eram voltadas pessoalmente àqueles
quem iriam receber o Batismo, antes que se imergisse por três vezes na
água. E também hoje a resposta é no singular: ‘Creio’.Mas este meu crer
não é resultado de uma reflexão minha, solitária, não é o produto de um
pensamento meu, mas é fruto de uma relação, de um diálogo, no qual tem
um escutar, um receber e um responder; é o comunicar com Jesus que me
faz sair do meu “eu” fechado em mim mesmo para abrir-me ao amor de Deus
Pai. É como um renascimento no qual me descubro unido não somente a
Jesus, mas também a todos aqueles que caminharam e caminham pela mesma
via; e este novo nascimento, que inicia com o Batismo, continua por todo
o percurso da existência.Não posso construir a minha fé pessoal em um
diálogo privado com Jesus, porque a fé é doada a mim por Deus através de
uma comunidade que crê que é a Igreja e me insere assim na multidão dos
crentes em uma comunhão que não é somente sociológica, mas enraizada no
amor eterno de Deus, que em Si mesmo é comunhão do Pai, do Filho e do
Espírito Santo, é Amor trinitário. A nossa fé é realmente pessoal,
somente se é também comunitária: pode ser a minha fé somente se vive e
se move no “nós” da Igreja, só se a nossa fé é, a fé comum da única
Igreja.
Aos domingos, na Santa Missa, recitando
o “Credo”, nós nos expressamos em primeira pessoa, mas confessamos
comunitariamente a única fé da Igreja. Aquele “credo” pronunciado
singularmente nos une àquele de um imenso coro no tempo e no espaço, no
qual cada um contribui, por assim dizer, a uma harmoniosa polifonia na
fé. O Catecismo da Igreja Católica resume de modo claro assim:
“‘Crer’ é um ato eclesial. A fé da Igreja antecede, gera, sustenta e
nutre a nossa fé. A Igreja é a Mãe de todos os crentes. ‘Ninguém pode
dizer que tem Deus como Pai, se não tem a Igreja como Mãe’ [são
Cipriano]” (n. 181). Então, a fé nasce na Igreja, conduz a essa e vive
nessa. Isso é importante recordar.
Nos começos
da aventura cristã, quando o Espírito Santo desce com potência sobre os
discípulos, no dia de Pentecoste – como narram os Atos dos Apóstolos
(cfr 2, 1-13) – a Igreja nascente recebe a força para implementar a
missão confiada pelo Senhor Ressuscitado: difundir em cada canto da
terra o Evangelho, a boa nova do Reino de Deus, e conduzir, assim, cada
homem ao encontro com Ele, à fé que salva. Os Apóstolos superam todo o
medo ao proclamar o que tinham escutado, visto e experimentado
pessoalmente com Jesus. Pela potência do Espírito Santo, começam a falar
em línguas novas, anunciando abertamente o mistério do qual foram
testemunhas. Nos Atos dos Apóstolos nos vem relatado o grande
discurso que Pedro pronuncia exatamente no dia de Pentecoste. Ele parte
de uma passagem do profeta Joel (3, 1-5), referindo-se a Jesus, e
proclamando o núcleo central da fé cristã: Aquele que tinha beneficiado
todos, que tinha sido creditado por Deus com milagres e grandes sinais,
foi pregado na cruz e morto, mas Deus o ressuscitou dos mortos,
constituindo-lhe Senhor e Cristo. Com Ele entramos na salvação
definitiva anunciada pelos profetas e quem invocar o seu nome será salvo
(cfr At 2,17-24). Escutando estas palavras de Pedro, muitos se sentem
pessoalmente desafiados, se arrependem de seus pecados e são batizados
recebendo o dom do Espírito Santo (cfr At 2, 37-41). Assim começa o
caminho da Igreja, comunidade que leva este anúncio no tempo e no
espaço, comunidade que é o Povo de Deus fundado na nova aliança graças
ao sangue de Cristo e cujos membros não pertencem a um determinado grupo
social ou étnico, mas são homens e mulheres provenientes de toda nação e
cultura. É um povo “católico”, que fala línguas novas, universalmente
aberto a acolher a todos, além de todos os confins, quebrando todas as
barreiras. Diz São Paulo: “Aqui não há grego ou judeu, circuncisão nem
incircuncisão, bárbaro, cita, escravo, livre, mas Cristo é tudo em
todos” (Col 3,11).
A Igreja, portanto, desde o início é o lugar
da fé, o lugar da transmissão da fé, o lugar onde, pelo Batismo, se é
imersa no Mistério Pascal da Morte e Ressurreição de Cristo, que nos
liberta da escravidão do pecado, nos doa a liberdade de filhos e nos
introduz da comunhão com o Deus Trinitário. Ao mesmo tempo, somos
imersos na comunhão com os outros irmãos e irmãs de fé, com todo o Corpo
de Cristo, retirados do nosso isolamento. O Concílio Ecumênico Vaticano
II o recorda: “Deus quis salvar e santificar os homens não
individualmente e sem qualquer ligação entre eles, mas quis constituir
deles um povo, que o reconhecesse na verdade e fielmente O servisse”
(Cost. dogm. Lumen gentium, 9). Recordando ainda a liturgia do
Batismo, notamos que, na conclusão das promessas em que expressamos a
renúncia ao mal e repetimos “creio” na verdade da fé, o celebrante
declara: “Esta é a nossa fé, esta é a fé da Igreja e nós nos
glorificamos de professá-la em Cristo Jesus Nosso Senhor”. A fé é
virtude teologal, doada por Deus, mas transmitida pela Igreja ao longo
da história. São Paulo mesmo, escrevendo aos Coríntios, afirma ter
comunicado a eles o Evangelho que por sua vez também ele tinha recebido
(cfr 1 Cor 15,3).
Há uma cadeia ininterrupta de vida da Igreja, de anúncio da Palavra
de Deus, de celebração dos Sacramentos, que chega a nós e que chamamos
de Tradição. Essa nos dá a garantia de que aquilo em que acreditamos é a
mensagem original de Cristo, pregada pelos apóstolos. O núcleo do
anúncio primordial é o evento da morte e ressurreição do Senhor, do qual
decorre todo o patrimônio da fé. Diz o Concílio: "A pregação
apostólica, que está expressa de modo especial nos livros inspirados,
devia ser repassada com sucessão contínua até o fim dos tempos"
(Constituição dogmática. Dei Verbum, 8). Deste modo, se a
Sagrada Escritura contém a Palavra de Deus, a Tradição da Igreja a
preserva e a transmite com fidelidade, para que os homens de cada época
possam ter acesso a seus imensos recursos e se enriqueçam de seus
tesouros de graça. Assim, a Igreja, "em sua doutrina, em sua vida e em
seu culto transmite a todas as gerações tudo o que ela é, tudo em que
acredita" (ibidem).
Gostaria, por fim,
de ressaltar que é na comunidade eclesial que a fé pessoal cresce e
amadurece. É interessante observar que no Novo Testamento, a palavra
"santos" designa os cristãos no seu conjunto e, certamente, não todos
tinham as qualidades para ser declarado santo pela Igreja. O que se
queria indicar, então, com este termo? O fato de que aqueles que viviam a
fé em Cristo ressuscitado eram chamados a se tornar um ponto de
referência para todos os outros, colocando-os em contato com a Pessoa e
com a Mensagem de Jesus, que revela a face do Deus vivo. E isso vale
também para nós: um cristão que se deixa guiar e plasmar pouco a pouco
pela fé da Igreja, apesar de suas fraquezas, suas limitações e suas
dificuldades, torna-se como uma janela aberta à luz do Deus vivo, que
recebe essa luz e a transmite ao mundo. O Beato João Paulo II, na
Encíclica Redemptoris missio, afirmava que "a missão renova a
Igreja, revigora a fé e a identidade cristã, dá novo entusiasmo e novas
motivações. A fé se fortalece se doando. "(n. 2).
A tendência, hoje difundida, de relegar a fé ao âmbito privado,
contradiz então, a sua própria natureza. Nós precisamos da Igreja para
ter a confirmação da nossa fé e para ter experiência com os dons de
Deus: a Sua Palavra, os Sacramentos, o sustento da graça e o testemunho
do amor. Assim, o nosso "eu" no "nós" da Igreja poderá ser percebido, ao
mesmo tempo, destinatário e protagonista de um evento que o supera: a
experiência da comunhão com Deus, que estabelece a comunhão entre as
pessoas. Em um mundo onde o individualismo parece regular as relações
entre as pessoas, tornando-as sempre mais frágeis, a fé nos chama a ser
povo de Deus, a ser Igreja, portadores do amor e da comunhão de Deus
para todo gênero humano. (ver Constituição Pastoral. Gaudium et spes,
1). Obrigado pela atenção.
O Papa dirigiu a seguinte saudação em português:
Saúdo os peregrinos de língua portuguesa, especialmente os fiéis
vindos de São Tomé e Príncipe e os grupos de brasileiros, de Imperatriz,
Toledo e Guaxupé. Deixai-vos plasmar pela fé da Igreja, pois esta,
apesar das dificuldades, fará de vós janelas abertas para a luz Deus, de
modo que a recebendo, possais transmiti-la ao mundo. Obrigado pela
vossa presença!
Fonte: ZENIT.org
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